A primeira vítima da guerra é o conceito de realidade
Paul Virilio
Sete tempos são necessários para Rachel Rosalen orquestrar um duelo entre o real e o imaginário. A considerar seu repertório cênico, pode-se dizer que # 07 Ensaios sobre a Crueldade é organizado em sete atos.
No primeiro ato, somos apresentados à protagonista dessa história que será contada em uma videoinstalação composta por dois canais. A inserção de frames de ilustrações de Alice, de Lewis Carroll, nos dá a pista sobre sua identidade. A Alice interpretada por Rosalen é tão ingênua e delicada quanto a outra. Mas só até ser despertada pela guerra. A personagem de Carroll dorme para viver sua aventura. Esta acorda. Vive quando deixa de ser passiva.
O embate entre a menina e a crueldade começa na temperatura das imagens. A guerra é quente, crua. A ficção é verde, tem iluminação, cenário e figurino elaborados. Conta também com trilha sonora original, editada sobre material produzido pelos músicos Thomas Rohrer e Antonio Panda Gianfratti em ensaios de livre improvisação e nas apresentações da fase anterior do projeto, o live-cinema Ensaio sobre a Crueldade ou O Encontro do Sr. Fatzer com a Rainha de Copas # 03.
Rachel Rosalen parte de situações cênicas, mas seu trabalho é constituído por performances feitas para a câmera, contrapostas a um grande arquivo de imagens de guerra. Sua Alice também pertence a outra geração: é uma construção contemporânea, narradora de uma história não linear, dentro de uma estrutura de cinema expandido. A câmera é sua principal antagonista. No ensaio # 03, essa relação se configura. Uma arma (no campo da realidade) é justaposta a uma câmera fotográfica (no campo da ficção), apontada para Alice. Essa mesma câmera, que seduz e ameaça a menina, é o instrumento de poder e monitoramento que fabrica informação sobre a realidade. Temos aqui a representação de uma sociedade vigiada. Nós, espectadores, somos aqueles que no ensaio # 04 moemos a carne mecanicamente (e somos moídos), observados pela câmera.
Assim como as imagens captadas por instrumentos de vigilância, as imagens de guerra têm dupla condição. De um lado, são formas de manipulação que deixam a nós, espectadores, paralisados, tão ignorantes quanto soldados que são lançados às trincheiras, impelidos a agir conforme planos que não conhecem, ou de acordo com uma moral que não têm. Por outro lado, podem vir a funcionar como espaços de descontrole – ou de reação ao controle. Ao oferecer ópio para a câmera, Alice nos indaga sobre nosso entorpecimento. Essa é, sem dúvida, uma forma de reagir a estas políticas perversas do poder. A substância que Rosalen nos oferece dentro daquele narguilé são estratégias artísticas de resistência.
# 07 Ensaios sobre a Crueldade é parte de uma série de obras que querem criar microrresistências à guerra. Rachel Rosalen toma o partido do enfrentamento e da superexposição à imagem como remédio contra a escuridão.