Beth Moysés é uma manipuladora de mitos. Particularmente, mitos que tomam corpo nas palavras bordadas à tapeçaria do universo feminino: casamento, amor, romantismo. Um a um, esses nomes parecem esgarçar, desfiar e ecoar no vazio em cada um de seus trabalhos. 

Toda a obra da artista é perpassada por uma preocupação desmistificadora. No início dos anos 90, ela usou buchas e meias de seda para discutir ligações entre sexualidade, sujeira e clichês. A partir de 1994, assumiu o vestido de noiva como instrumento onipresente em suas poderosas articulações simbólicas. Apropriou-se diretamente do mito-mor da feminilidade e costurou em seu trabalho uma narrativa cheia de tecidos e texturas que marcam uma leitura pessoal de vida. 

Primeiro, como num tapete gigante e surreal, forrou o teto de uma capela com um arsenal de vestidos de noivas - incluindo o da própria artista. Elevados às alturas, cobrindo o silêncio do templo católico, eles falavam de expectativas, expiravam promessas, comentavam ilusões, denunciavam expectativas reduzidas a brancas nuvens, demonstravam uma ausência literal de pés no chão. Dependurados pelas saias, recheados com panos, vazios e anônimos, os vestidos transpiravam solidão. Sua forma sugeria um campo minado de lágrimas pálidas. 

Beth Moysés também criou uma série de obras em que os vestidos de noivas eram emoldurados em chassis ou caixas. Cada trabalho intitulado com o nome da dona real do vestido, aludia a um aspecto do mito feminino. "Renata", por exemplo, mostrava a saia de um vestido de noiva esticada sobre a tela. O buraco da cintura foi preenchido com milhares de alfinetes, dando a impressão de uma vulva recheada de pelos. Nesta mostra, os míticos vestidos de noivas são simbolicamente abrigados: vestem e envolvem uma caminha e, ao seu redor, meia dúzia de "casas". 

"Um Pedaço de Mim", dependurado à altura de um caixão, marca um rito de passagem. Uma miniatura de cama patente recebe uma longa trança de cabelos da artista, acomodado entre um "cobertor", feito com véu de noiva, forrado com tule e carimbado com florzinhas artificiais. Ritualizando a "morte do cabelo longo", Moysés renasce com uma nova face. Num paralelo com a vida conjugal, o casamento mata a ingenuidade da mulher e a transfere para a nova vida da rotina a dois. Ladeando esse pequeno e patético "berço", a artista enfileira suas casinhas. Falsos abrigos, territórios de segurança, invólucros de domesticidade, as casas são, na verdade, reveladoras de constrangimentos, cobertos apenas por véus brancos e transparentes. À maneira de Louise Bourgeois, Beth Moysés cria células que, ao invés de demarcar espaços de intimidade reclusa, oferecem transparência e, com isso, transformam o observador num inevitável vouyeur.

Até que a morte

Beth Moysés

  • Até que a morte (1997) 
    instalação
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Katia Canton

Katia Canton é escritora, curadora e crítica de arte.

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