Do silêncio à memória
Juliana Caffé
De hecho, el pasado es pasado sólo porque hay un presente, sólo en tanto puedo señalar algo allí porque estoy aquí. Pero nada está inherentemente allí o aquí. En ese sentido, el pasado no tiene contenido. El pasado – o, más precisamente, el carácter pasado del pasado - es una posición. (Michel-RolphTrouillot)
As narrativas históricas se constroem invariavelmente no interjogo de relações de poder. Através da análise dos processos de produção de conhecimento é possível verificar o que é lembrado e o que é esquecido, o que é registrado e o que é omitido na criação de um fato. Muitos dos silêncios produzidos nesse percurso revelam não só as injustiças e injunções do poder, como a sociedade que os sustenta. Nessa complexa teia de interesses e subjetividades, a memória revela-se como campo político, lugar de disputa e resistência.
Segundo o antropólogo haitiano Michel-RolphTrouillot[1], existem desigualdades presentes em todas as etapas de produção de uma narrativa. Esse descompasso se encontra tanto na criação de fontes e arquivos, elementos que constituem operações de seleção e exclusão de informação, como na produção escrita, processo sujeito a interpretações e interesses pessoais e institucionais. A partir dessas desigualdades, das vozes contempladas e dos silêncios produzidos, forma-se a memória coletiva social.
Trouillot ressalta, no entanto, que os silêncios são inerentes à história, pois o passado não pode ser acessado na sua totalidade, é impossível dizer tudo. Para o autor, deve-se, porém, ter consciência de que as decisões sobre o que é silenciado respondem também aos interesses e às relações de poder. Por esse motivo, a história deve ser reflexiva, não preocupada em encontrar verdades absolutas, mas em reconhecer que existem múltiplas narrativas que podem ser contempladas.
Atualmente, vivemos em um mundo supostamente pós-colonial onde muito se discute sobre asconfigurações de saber e poder que ao longo dos anos constituíram imaginários e afetividades coletivas. Segundo Frantz Fanon, expoente do pensamento afro-caribenho, “a descolonização é verdadeiramente a criação de homens novos”[2], um processo que só pode ser compreendido na exata medida em que discerne o movimento historicizante que lhe dá forma e conteúdo. Assim, os estudos pós-coloniaistornam-se ferramenta de conhecimento e estratégias de ação sobre o mundo, desvelando formas de dominação e colaborando na construção de espaços de resistência e de plataformas estético-políticas.
Nesse contexto, a reflexão crítica acerca das construções narrativas torna-se não apenas um dispositivo de resistência contra processos coloniais obscuros - como o racismo, o patriarcado, a violência de gênero e outras formas de opressão - como uma possibilidade de reelaborar sentidos e criar novas formas de vínculo social e conhecimento. A condição reflexiva da históriaarticula diversas perspectivas em constante mutação, de modo que vozes são assimiladas e silenciadas a todo instante. Assim, outros pontos de vista são sempre negociáveis. Nesse movimento de refluxo da memória, passados são relativizados no presente, para gestar outros futuros.
Uma das potências da criação artística é justamente a sua capacidade de criar novos espaços e temporalidades e, explorando e multiplicando sentidos, provocar questionamentos, formular problemas e propor saídas que possibilitem lidar melhor com as crises darealidade contemporânea. Do Silêncio à Memória retrata um caminho de luta em busca de afirmação política. Apresenta obras de artistas que trabalham com processos narrativos e com a dimensão reflexiva da história, a fim de trazer outras perspectivas e possibilidades de mundo para a memória coletiva social.
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