Juliana Monachesi
“O vento tem uma coisa. Ele tira de você todas as certezas, ele se intromete em você, contínuo, fazendo você sentir a fragilidade oculta de tudo que existe a seu redor, todo o recheio sólido de mil e um empreendimentos – tudo frágil, improvisado.” – Este é o narrador onisciente do romance A artista do corpo (2001), de Don DeLillo, falando.
São poucas as coisas que fazem lembrar que temos um limite – que ao mesmo tempo é uma potência – chamado “corpo”: a dor ou restrição física (só quem já precisou engessar o pé ou o braço sabe de fato como andar e correr ou apanhar um simples objeto com a mão são um êxtase corpóreo), o contato físico com alguém (um abraço, um beijo na boca, um soco no estômago), o esporte, a dança, o teatro, a performance, a deriva, a água (do mar, da piscina, do chuveiro, da chuva)... e o vento.
Parece estranho colocar isso em palavras, mas em geral tendemos mais a ser autômatos executando tarefas maquinais do que corpos com vontade própria. Na maior parte do tempo, vemos o mundo com os olhos, não com o corpo todo. E por isso o vento é um intrometido que desestabiliza o recheio sólido de nossa confortável inconsciência. Assim como as artes do corpo ou as “artistas do corpo”. O título original do romance de DeLillo é The body artist.
Milena Travassos, na videoinstalação Vertigem, atualiza as experiências históricas da body art. Sentada em um balanço de madeira sustentado por duas cordas armadas sobre um enorme poço de água insondavelmente esverdeada, a artista empreende uma simples e corajosa ação: balançar-se, com e contra o vento. Ela é toda corpo em sua ação, o que se evidencia ainda mais pelos frascos de vidro acoplados a suas costas, que metaforicamente viram do avesso a estrutura de sua coluna vertebral.
O balanço tem uma coisa. Lembra jogos de infância, quando o tempo parecia eterno e se podia empregar em grandes quantidades em atividades quase destituídas de sentido aos olhos de um adulto. Crianças correm por correr, brincam por brincar, constroem castelos de areia e livros de areia, fantasiam por fantasiar, giram por girar, vão e vêm no balanço pelo simples prazer de se balançar e de sentir o vento bater no rosto.
O tilintar dos frascos de vidro na obra de Milena Travassos é plácido. O ranger das cordas é inquietante. A visão do poço é vertiginosa. O poço tem uma coisa. Fundo, escuro, inapreensível, infinito. Ele espelha a nossa fragilidade, nossa finitude. E, no entanto, ali está a artista do corpo se balançando sobre o abismo serena, talvez sem medo algum. Para ela, o lugar escolhido para realizar suas ações está “dentro de cada trabalho”, enquanto este pretende “ressaltar um corpo que se torna mais sutil e afetável pelo fora”.
Um lugar fora dele é o título da série de trabalhos de que Vertigem faz parte. E o nome dado pela artista vale, me parece, para o “fora” do corpo e para o “dentro” do lugar, contribuição invulgar para a construção do pensamento sobre a body art nos dias de hoje.