Daniela Maura Ribeiro
A pintura de paisagens aparece no período helenístico da arte grega com os pintores de murais, de acordo com o historiador Ernest Gombrich em seu livro
A História da Arte.
Mas o gênero paisagem floresce no seio da arte holandesa dos séculos XVII e XVIII, período em que terá destaque também a pintura de vistas ou panoramas. Na segunda metade do século XIX, esse gênero se transforma nas mãos de impressionistas como Claude Monet, Edouard Manet e Camile Pissarro: a paisagem da pintura holandesa, bem acabada e pintada com a intenção de parecer real, cede lugar àquela sem contornos, formada por uma sucessão de pinceladas sobrepostas.
Esse gênero, consagrado pela História da Arte, atravessa séculos e chega ao terceiro milênio, subsistindo na poética dos artistas contemporâneos. Este é o caso de Marga Puntel. Marga se refere ao conceito de paisagem da pintura holandesa do século XVII. Segundo a historiadora Svetlana Alpers, no livro
A Arte de Descrever, os pintores holandeses costumavam
descrever a paisagem, retratando-a em cada mínimo detalhe. Muitas vezes, isso era feito com o uso da câmara escura, para projetar a vista original na tela. Mas, se, para os pintores holandeses a câmara escura (precursora da câmara fotográfica) funcionava como mediadora para a descrição das paisagens na pintura, para Marga, a fotografia é o próprio registro da paisagem e de seus detalhes. Além disso, ao contrário desses pintores, Marga não apenas descreve, como também interfere na paisagem que registra.
Em
Narrativa Presença Ausência (2002-2005) — instalação que a artista apresenta no Paço das Artes — essas questões tornam-se claras. A instalação é composta por cinco fotografias, nas quais uma mulher, com um vestido florido (a própria Marga), vai adentrando por entre árvores e flores de um bosque na cidade de Curitiba.
É interessante notar a riqueza de detalhes desse bosque — as folhagens, os galhos e as flores — como também o efeito de mimese que acontece no momento em que a artista está embrenhada na mata, e seu vestido florido parece se confundir com as flores do local.
Isso não acontece por acaso. Na proposta de Marga, o ser humano não participa da paisagem da maneira habitual, isto é, como um visitante ou fruidor. Ele a adentra para ser paisagem. Logo, a intenção da artista não é registrar — pura e simplesmente — a paisagem e suas nuances ou flagrar nela os seus visitantes. Ao contrário. O interesse de Marga é o de pré conceber uma situação para determinada paisagem e encenála (ela própria ou uma terceira pessoa — a exemplo de outros trabalhos) de modo a nos causar a dúvida se a paisagem, diante da qual estamos, é real ou artificial. Sob essa perspectiva, a mimese das flores contidas no vestido com as flores reais entra como elemento fake que irá falsificar e artificializar essa paisagem. Esse conceito é tão forte na produção da artista que vem se adensando em outras propostas, como em
Visita ao Parque Lage/Imersão em Verde e Vermelho (2004) e
Imersão Verde (2004-2005).
Assim, a discussão em torno da paisagem no trabalho de Marga tanto se alinha às tradições da pintura holandesa do século XVII quanto dialoga com duas vertentes do gênero na arte atual: a produção fotográfica, como a alemã, na qual a paisagem é registrada de maneira puramente descritiva, e o debate que ronda a arte contemporânea global sobre as paisagens artificiais.