“O brio do texto (sem o qual, em suma, não há texto) seria a sua vontade de fruição: lá onde precisamente ele excede a procura, ultrapassa a tagarelice, e através do qual tenta transbordar, forçar o embargo dos adjetivos – que são essas portas das linguagem por onde o ideológico e o imaginário penetram em grandes ondas.” Roland Barthes em O prazer do texto


Querido Pedro,

Me pediram mais um texto sobre o teu trabalho. Será que querem que eu explique? Espero que não. Não sei explicar. Não há o que explicar. Será que querem que fale do teu processo? Será? Eu não entendo essa mania adquirida, quase obsessiva, do ter-que desvendar. Trazer à tona aquilo que é teu. Teus modos de. Teus caminhos para.

Queria dizer apenas: o trabalho do Pedro é silêncio. E isso, por si só, bastar. Deveria bastar, não? De outro modo, recairemos numa tagarelice. Insistiremos em dizer sobre aquilo que se quer mesmo não-dito.

Aliás, essa é a grande beleza do teu trabalho. Uma “imagem” descolada. Uma coisa que fica entre o sonho e o real. Ficar entre. Não seria esse o convite do teu trabalho? Morar na imaginação? Penso que as pessoas andam se esquecendo de imaginar. Voar. Querem percorrer caminhos fáceis, de pés no chão, e querem fazê-lo de modo ágil. Sem tropeços, sem dúvidas, sem cometer erros.

Eu tenho dislexia. Já te disse? Pois tenho. De um lado, isso me preocupa porque meu trabalho é saber conduzir os significados das palavras. Por outro, a dislexia me faz olhar para a palavra que eu já li e ouvi milhões de vezes e desconfiar dela. Do que de fato ela significa. E como ela deve ser escrita. Com o tempo fui desaprendendo as regras gramaticais e quando escrevo penso nas palavras como imagem. Tento todas as possibilidades de escrita daquela palavra e vejo qual a que me parece "mais certa".

Às vezes, eu troco o “mal” com o “mau”. Eu acho o “mal” sempre mais bonito nas frases e quero por em todas, sem me preocupar se é advérbio ou adjetivo. Eu prefiro os advérbios, que demonstram nossos jeitos de. Dos adjetivos, não. Não gosto tanto. Categoricamente, eles não deixam margem para negociação: bom é bom e mau é mau. Eu desconfio sempre daquilo que é bom. Mais ainda do “mau” com “u”.

Fiquei aqui pensando que num mundo em que as pessoas querem ter certezas das coisas, seria algo libertador se todos tivessem dislexia para toda sorte de leitura: texto escrito ou imagens. Assim, todos nós desconfiaríamos. E diante da nossa sempre presente possibilidade de erro, teríamos um mundo novo para investigar. Um mundo visto pelo avesso. Pelo ponto de vista “do erro”. Daquilo que não é. Mas poderia ser. Teu trabalho fala disso, não? Do que poderia ser.

E naquilo que poderia ser, fico desejando que, num tempo não tão distante, teus balões coloridos possam voar por aí. E levar mensagens entre vizinhos. Entre inimigos. Entre amores. Entre uma janela e outra, estaríamos à espera.

Penso que na arte, também na vida, é preciso dar lugar aos pensamentos “errantes” e à espera. Deixar vir os significados.

Um beijo,

.a

Paisagem suspensa

Pedro Motta

  • Paisagem suspensa (2010-2011)
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Ana Luisa Lima

Ana Luisa Lima é pesquisadora independente e crítica de arte, licenciada em artes plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É crítica de arte do espaço expositivo Sala Recife (PE), membro do Centro de estudos Desmanche e Formação de Sistemas Simbólicos (DESFORMAS) da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e editora da revista Tatuí.

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