Juliana Monachesi
A repetição ritualística é um sintoma cultural que visa ora a lembrança ora o apagamento, ora ambos. No contexto da arte, o elemento industrial é imediatamente evocado quando se fala em série ou na possibilidade de multiplicação de um objeto único, seja no minimalismo, seja na serigrafia warholiana. Mas também aí se trata de articular a necessidade e a banalização do múltiplo. Neste campo árido de questões, André de Faria propõe a reprodutibilidade da imagem de uma suposta índia anciã.
Pode-se afirmar que desde a visão idealizada das raízes indígenas brasileiras em telas como
Moema (1866), de Victor Meirelles, e
Último Tamoio (1883), de Rodolfo Amoedo, até representações contemporâneas em fotografia e vídeo, o imaginário acerca dos primeiros habitantes do país permeia as artes. O indigenismo configurou-se como movimento em nossa literatura. A reflexão sobre a condição dos índios sustentou discurso que vão dos sermões de padre Vieira à antropologia de Darcy Ribeiro.
“Índios é que fixavam os rumos, remavam as canoas, abriam picadas na mata, descobriam e exploravam as concentrações de especiarias, lavravam a terra e preparavam o alimento. Nenhum colonizador sobreviveria na mata amazônica sem esses índios que eram seus olhos, suas mãos e seus pés”, escreveria este último em 1995 ao esquadrinhar “a formação e o sentido” do Brasil (em
O Povo Brasileiro).
Os olhos, as mãos e os pés de seus próprios destribalizadores e, por último, dizimadores: tal foi seu devir. Na instalação de André de Faria, olhos, mãos e pés são apresentados em suspensão, contra um fundo que mescla urucum e genipapo, cores das tintas aplicadas pelos índios sobre o corpo em duas ocasiões: a festa ou a guerra. A repetição estaria aqui a serviço da lembrança ou do apagamento?
O presente dá sentido ao passado e não o inverso. Todo “fato histórico” é aperfeiçoável, segundo essa visão. Além disso, é uma evidência histórica que o passado é sempre escolhido, seja a serviço do conservadorismo social, seja a serviço das lutas populares e, portanto, essa escolha nunca é inocente. É essa manipulação dos fatos que explica a constante revisão da história por todos os povos ou minorias “libertados” de um período de dominação ou dependência e que permanecem aprisionados no espaço histórico dos “vencedores” até que sua história seja reescrita.
Deste modo, e quando se assume o primado do presente sobre o passado, a “querela do factual” se transforma em nada: cabe ao historiador, assim como ao artista, deter-se sobre os fatos sem cair nas reducionistas referências-armadilhas à história, mas, antes, fazendo dela arma para fundar o devir. Este trabalho pode aparentar olhar para o passado, mas em uma apreensão mais detida, percebe-se que mira o futuro e que o desafia.