Juliana Monachesi
São quatro os mitos fundadores do discurso modernista, segundo Yve-Alain Bois e Rosalind Krauss. O postulado de que as artes visuais, especialmente a pintura, dirigem-se unicamente ao sentido da visão é o primeiro deles. A “tatilidade” a que toda a história da arte se refere não passa da representação visual desta qualidade, fazendo com que tudo o que é tátil possa ser apreendido em um instante pelo olhar, o que constitui o segundo postulado.
Além disso, o “puramente visual” da arte se mostra ao espectador em uma postura ereta, em tudo oposta ao “eixo horizontal que governa a vida dos animais”, escrevem, definindo o terceiro mito fundador. Sendo concebidas como seções verticais colocadas à altura dos olhos, o quadro modernista pressupõe o esquecimento pelo observador de que seus pés estão imersos em sujeira no momento de contemplação. “A arte, de acordo com esta visão, é uma atividade subliminatória que separava o espectador de seu próprio corpo.”
O quarto postulado decorre do terceiro: a ontologia modernista exige que uma obra de arte tenha começo e fim e que qualquer desordem aparente seja reabsorvida necessariamente pelo fato de a obra ser limitada. Na curadoria que realizaram no Centre George Pompidou em Paris, em 1996, intitulada
L’Informe: Mode d’emploi, Bois e Krauss derrubam os quatro mitos devolvendo-lhes em resposta quatro operações:
base materialism, pulse, horizontality e entropy.
Vinda de uma trajetória como artista em franco diálogo e embate com a tradição modernista, Teresa Viana responde, com sua instalação recente no Paço das Artes, aos quatros mitos fundadores por meio de operações semelhantes àquelas exploradas em
Formless– A User’s Guide.
Horizontalização – Uma pintura ocupando o espaço real, uma pintura que abandona o espaço da tela para expandir-se por duas paredes e que, assim, proporciona sensação física e visual ao mesmo tempo. A obra de Teresa Viana é para ser vista com os olhos e com o corpo. Os volumes são reais, não podem mais ser representados. Assim como As cores não podem mais ser naturalistas, porque a pintura tem a ver com a digestão da experiência no mundo de hoje. A pintura que se pratica hoje está inevitavelmente impregnada de TV, cinema, mídias.
Materialismo rasteiro – As cores não estão mais concentradas como nas pinturas sobre tela; elas como que se espalharam e diluíram no processo de espraiamento pela superfície da parede. Respingos, escorridos, marcas de mãos e de pincéis dão a ver que a matéria se impôs e teve um papel tão importante quanto o gesto. As estruturas de arame e papelão mal param de pé. Concavidades e reentrâncias devem ser descobertas bem de perto, num corpo a corpo com a obra.
Pulsação - Aquela estalactite amarela do lado esquerdo e também o redemoinho marrom e bege na parte superior do lado direito negam o caráter “festivo” que aparentemente a obra poderia ter. Não se trata de uma festa de cores; antes, de uma luta destas cores e destas massas tentando se acomodar. O que é impossível. Não é uma cor ou outra, é um conjunto pulsante em uma batalha. Alguns tubos ou artérias parecem pulsar no subterrâneo, encenando torções, como se formas quisessem se despregar e sair.
Entropia - Aqui, o sujeito precisa se abaixar, se esquivar, se haver com o incômodo de uma pintura que não tem fecho, não tem fim, que não se resolve “dentro do quadro” à forma tradicional. Trata-se de pintura como estado de consciência alterado, porque ativa certas sensações desconhecidas, mexe com potencialidades humanas adormecidas, com certos processos de construção de sentido não digeridos na nossa cultura.