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ARTISTAS

Carlo Sansolo e Erika Fraenkel




A pesquisa dos artistas e curadores Carlo Sansolo e Erika Fraenkel reflete sobre a relação da tecnologia com o cotidiano do ser humano. Para a curadoria Laisle entertainment!, feita na Temporada de Projetos, a dupla selecionou 45 vídeos de 19 países. Trata-se de um panorama da produção de videoarte internacional e nacional separada em quatro blocos: Subjetividade, Político, Discussão formal e Paródia. Em 2008, organizaram Laisle travelling no Waseda University Center for International Education, em Tóquio, e, em 2009, Laisle/nofuture, no Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro.

Laisle entertainment!

Carlo Sansolo e Erika Fraenkel

Para essa exposição, selecionamos 45 vídeos de 19 países: Brasil, África do Sul, Líbano, Israel, Canadá, Estados Unidos, França, Turquia, Sérvia, Noruega, Japão, Romênia, Rússia, Alemanha, México, Argentina, Suíça, Inglaterra e Itália.

Trata-se de um panorama da produção de videoarte internacional e nacional, separada em quatro blocos dos quais participam 45 artistas.

No primeiro bloco – subjetividade – estão as obras que registram os universos permeados pela singular interpretação de cada artista. Poderíamos destacar aqui o trabalho de Camila Sposatti (Brasil), que mostra a paisagem aérea de São Paulo num belo entardecer, enquanto mantém diálogos com um amigo por telefone – um discurso banal, supostamente íntimo, sobre o cotidiano. O mote desse trabalho é uma simples conversa, que se repete no vídeo da artista mexicana Florência Gullen como um padrão de linguagem (conversa informal).

Nesse caso, o colóquio é entre uma cabeleireira profissional que se auto-elogia a uma amiga porque venceu um concurso – no qual obteve o título de “campeã das campeãs – por ser considerada o melhor colorista de cabelo. A artista usa a ironia para mostrar a ingenuidade deste discurso sobre medalhas e títulos. No final do vídeo, ela questiona as falsas personas, preocupadas com aparência e cor dos cabelos, por meio da imagem de um rosto sem identidade, totalmente negro, que funciona como um corte no discurso do vídeo. No vídeo A coisa em si, Leonardo Galvão (Brasil) dilui a imagem em camadas para revelar que o sentido original – procurada na essência da imagem, obtido por meio do desvelamento de suas camadas (stills) – na verdade, não existe, é um falso sentido.

Kazumi Konemaki (Japão), em Green Rouyas, expõe a câmera, que ocupa um espaço físico, na imagem. Ela questiona assim os clichês de representação – como as imagens da mulher. A câmera e a natureza – e desmistifica a produção e a contemplação da videoarte.

Na obra de Ido Fluck (Israel), a imagem fica desfocada durante quase todo o tempo, e o discurso, desconexo, contém pequenas reflexões sobre banalidades em uma voz frágil. No final, o foco fixa a imagem de um urso polar, reafirmando uma subjetividade imposta pelo artista, na qual ele relaciona a existência de ursos polares com a grande quantidade de pessoas que querer se tornar artistas em Nova York. Essa metáfora não fica clara em momento algum do vídeo, ela foi apenas a intenção que motivou o artista a produzir o trabalho. Já Mihai Grecu (Romênia) constrói uma fantástica narrativa de ficção científica que reflete mistério, expõe corpos, que revelam a formação misteriosa de novos organismos, e representa uma interferência digital na cidade. Um universo distanciado, frio e científico.

Sagi Groner (Israel), em seu vídeo Blue, trabalha com os impressões internos e com os acontecimentos externos como se fossem universos paralelos: as impressões externas são representadas pelas imagens captadas, e as vozes – que expõem sensações, medos, crenças e realizações – retratam os elementos subjetivos.
 

No bloco político, relativo à realidade brasileira, está a obra de Giordani Maia, que explora a extrema dificuldade que o público encontra para entender a operação de significações, criadas pelo artista em sua obra. Maia negocia com ambulantes de rua para vender e explicar, de forma erudita, seu trabalho com objetos, e o ambulante (representante da economia informal) discute o conceito desses objetos. Por meio dessa negociação e da exposição do trabalho nas ruas – espaço de exibição informal, que é também uma intensa zona de conflito – o artista quebra as barreiras impostas aos diferentes territórios de conhecimento.

Já o vídeo de Stuart Pound (Inglaterra) – Equivocation – apresenta uma entrevista de Tony Blair, no qual ele tenta explicar um erro político que se tornou público. Pound retrata o uso da ambiguidade, recurso utilizado no discurso dos políticos, para esconder a realidade,. Mostrando como os equívocos são minimizados para encobrir grandes mentiras.

Akiko Nakamura (Japão) desenvolve um discurso simbólico sobre os códigos da sociedade japonesa, criticando a sua submissão ao poder do estado e a euforia causada pelo desenvolvimento de seu país.

O artista Masayuki Kawai (Japão), em The theology of the society of the spetacle, discorre sobre as táticas da sociedade de consumo e a artificialidade criada pelo marketing, que estimula sempre novas necessidades, uma falsa auto-imagem do individuo, um pretenso bem-estar e a busca permanente de êxtase. O vídeo mostra que, por isso, as ações cotidianos estão cada vez mais estéreis e o ser-humano, paralisado.

No bloco de discussão formal, temos os trabalhos dos russos Galina Myznikova e Sergey Provorav que fazem referencia ao formalismo soviético. Os artistas usam o modelo construtivista para representar e apresentar seus objetos, numa releitura e recuperação formal da vanguarda do começo do século XX, cuja origem é encontrada na emergência do comunismo russo. O vídeo expõe equipamentos caseiros que esquentam e esfriam.

Kentaro Taki (Japão) exibe diversos códigos de linguagem (diferentes línguas e códigos matemáticos) com sobreposição de sentido. Ao expiar a complexidade de significados e códigos – para ele, simples mecanismos de linguagem – o artista exibe as tecnologias (uso de objetos e médiuns) como meras ferramentas de trabalho necessárias para a sobrevivência do ser humano e para a formatação da comunicação. O trabalho é uma reflexão sobre a utilização da tecnologia e a sua interferência em nossa percepção de mundo.

Marcello Mercado (Argentina) cria uma abstração geométrica para representar sinapses bioquímicas de um simples acontecimento (por exemplo, um gato que cortou o dedo do artista). Relacionando-os aos microcosmos do organismo humano mediante imagens abstratas, como um mapa totalmente artificial, uma representação criada para esse acontecimento biológico (sangue e ferida).

Para exibir a arquitetura interna de um prédio, Myriam Thyes (Alemanha) explora, em seu vídeo, um percurso de filmagem verticalizado, estabelecendo assim uma relação com a geometria, que cria a sensação de uma ascensão pretensamente religiosa.

No bloco da paródia, deparamo-nos com o satírico e com a farsa que ridiculariza discursos e critica padrões de linguagem. Nesse contexto, os artistas Richard Nicolas (França) e Ed Young (África do Sul) engendram representações de falsas personas rebeldes, demonstrando uma raiva manufaturada em um aparente universo pop como ato artístico. Nícolas critica a imagem produzido pela indústria musical e Ed simula um ódio a bichinhos de pelúcia.

Já Robert Tyler (EUA) faz um discurso que parafraseia anúncios de TV. Assim, ele expõe o fetiche das marcas e embalagens, com o objetivo de revelar o mecanismo por meio do qual esses núncios valorizam seus produtos – como o do inesgotável universo da alimentação, da limpeza e do consumo. O espanhol Andrés Senra reproduz uma entrevista com o astro Michael Jackson e sobrepõe a sua própria imagem a essa cena, proporcionando um espetáculo perturbador.

Nas quatro instalações, percebemos os aspectos políticos relacionados à crítica sobre determinados sistemas de linguagem, assim como o uso de tecnologia para efetuar a vigilância e o controle, e/ou criar impressões de segurança. Paul Rowley (Irlanda) e David Philips (EUA) exibem em Security fugue – um filme dos anos 1970 – situações de resgate que aludem a uma promessa de segurança total oferecida por grandes empresas de planos de saúde e seguranças. Com equipes infalíveis que garantem a vida por um preço alto, essas empresas crescem porque apostam na venda de proteção contra imprevistos de uma sociedade violenta: lucram com a promessa de segurança e, por isso, investem altas quantias no medo, perpetuando-o. Nessa linha de raciocínio, podemos encontrar relação entre as quatro instalações.

O alemão Niklos Goldbach, em Looping my barrio, retrata a arquitetura urbana de Berlim no verão de 2004, que, segundo a artista, não apresenta fragmentos de vida humana, pois suas áreas são extremamente limpos, seguros, com câmeras de vigilância por toda parte. Aquilo que ele chama de arquitetura conceitual não humanista apresenta uma Berlim fria, cujaa cultura representa grandes interesses econômicos.

Os três vídeos do artista francês Pascal Liévre mostram o universo de uma indústria cultural massificada, de fácil leitura. Ele apresenta grandes estrelas da TV envelhecidas – rostos que só poderiam estar fora da tela, uma vez que não dão audiência – musicais que banalizam os discursos políticos: filmes estilo Hollywood, produzidos para serem consumidos com voracidade: e um canal – como o da MTV – que homogeneíza toda a produção musical. Dessa forma, Pascal revela o discurso de uma cultura imediatista, pronta para ser consumida.

O coletivo mm não é confete apresenta um work in progress, com câmeras ao vivo complementar a sua “Performance-Vjing-Wireless”. O trabalho dialoga com a ideia de paranoia urbana, controle e segurança, numa sociedade de terceiro mundo com alto índice de desemprego e problemas sociais (saúde, educação). Apresentam um homem-sandwich ou homem-placa (performer). Representante de trabalhadores da economia informal, sem carteira assinada, que vive com seu corpo exposto na rua, como outdoor-publicidade ambulante e interativo. Esse corpo representado capta imagens ao vivo dos transeuntes, transmite-os para a mesa de vjing que, mesclados, são retransmitidos sem fio e em tempo real para a tela junto ao corpo do performer.

O trabalho mmnehcft acusa ironicamente a frase: “Sorria, você está sendo filmado”, como um ícone dessa situação, em que todas as pessoas devem supostamente demonstrar (falsa) alegria ao serem filmadas em espaço público.

O conteúdo de todos os trabalhos dessa curadoria traduz a crítica social e reflexão sobre a relação da tecnologia com o nosso cotidiano. A tecnologia figura, aqui, não como um meio para a sociedade prosperar, e sim como um espelho que reflete a desconfiança e o medo, usados para garantir o lucro e o entretenimento.

Obras de Giordoni Maia, Masayuki Kowai, Akiko Nakamura, Giuseppe Tilli, Carlo Sansolo, Daniel Lima, Simone ichelin, Predrog Pajdic, Erika Fraenkel, Antonella Kurzen, Sabine Gruffat & Ken Russel, Karen Golan, Nesrine Kohdr, Kazumi Kanemaki, Telephone Colorido, Agrícola de La Cologne, Nancy Tucker, Babel, Sagi Groner, Camila Sposatti, Ido Fluck, Leonardo Galvão, Raquel Castro, Mauricio Castro, Galina Myznikovo & Sergey Provorov, Marcello Mercado, Eugenio Siqueira, Joacélio Batista, Marco Paulo Rolla, Kentaro Taki, Richard Nicholos, Wagner Morales, Ane Lan, Pascal Lièvre & Benny Nemerofsky Ramsay, Ed Young, Tonje Gjevjan & Jan Steinum, Genco Gulan, Rob Tyler, Andrés Senra, Myriam Thyes, mm não é confete, Pascal Liévre, Paul Rowley & David Philips, Niklos Goldbach, Stuart Pound, Alexandre Milagres, Mihai Grecu, Florencia Gullen.

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