Faz sol. Calor. A umidade do ar é alta. O céu está claro. As condições ambientais são plenas para que as raízes se desenvolvam horizontalmente, nas regiões de transição mangue-mata. Rizóforos partem dos troncos e dos ramos das árvores, formando arcos que atingem o solo alagado. Nenúfares, liquens, algas são colonizados na maré enchente. Glândulas se desenvolvem perpendicularmente à superfície. Ramificações verticais atingem o ambiente aéreo, expondo-se como lanças que se projetam para o alto, em sustentação apenas relativa.
Faz sol, faz calor. Ar-condicionado da galeria no nível máximo. Carretéis moles de sisal se enlaçam a tubos de cordas sintéticas coloridas. Formas espiraladas, confeccionadas com cordões e contas de colar, engordam, emagrecem, deslocam-se, assimilando outras formas, avançando sobre as paredes. Elas se arrastam, se alongam, bifurcam, ramificam. Das mesmas condições que se fazem propícias às inflorescências nos mangues brota a escultura de Maria Nepomuceno. Em franca expansão no espaço, esses objetos são animados por uma energia própria da vida orgânica das matas úmidas e dos corpos em processo de mutação.
Embora seus jardins de objetos sem títulos não reclamem vínculos diretos com referentes no mundo botânico ou real, Maria Nepomuceno se relaciona com os espaços externos à arte. A artista traz para o corpo de seu trabalho a matéria-prima das atividades dos estivadores dos portos, dos construtores de casas, dos tapeceiros, das artesãs dos mercados populares. Trabalha, como matéria de sua escultura, a imagem das argolas que, numa tradição cultural distante, modelam musculaturas dos corpos femininos.
Dentro do espaço expositivo, as esculturas de Maria Nepomuceno produzem a mesma agitação dos sentidos provocada pelo objeto redondo, inflável e cor-de-rosa, que duas vezes ela atirou às ruas para assistir às pessoas se relacionarem com ele. Tal qual o objeto que desafia a previsibilidade de uma praia lotada ou de uma tarde de Carnaval, suas esculturas são objetos não identificados que estimulam no espectador a vontade de dar nomes a sensações fortes e acaloradas.