Victor de La Rocque
Victor de La Rocque é um artista putinho e fracassado, seus trabalhos são tentativas de articulação do absurdo e da revolta com o nível de consciência de um atormentado, poderíamos descreve-los como uma coleção/sucessão de reveses que preservam a mesma ressonância, manifestando sua própria inutilidade, um segredo estéril. Possui obras em acervos como o Museu de Arte do Rio de Janeiro, Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Museu Casa das Onze Janelas e Defibrillator Gallery (EUA).DANIELA LABRA CONVERSA COM VICTOR DE LA ROCQUE
Começando a conversa, gostaria que falasse
um pouco do início da sua trajetória artística. Sua formação e como sua
pesquisa foi se tornando interdisciplinar e com interesse na performance. O que
primeiro te interessou em termos de fazer: Pintura, desenho, fotografia, vídeo,
ações... Por que?
Eu
nasci numa família que tinha esse “lance de arte”, tive contato com meu tio
artista Roberto de La Rocque Soares, e meu primo Claudio de La Rocque Leal que era
curador, crítico de arte etc , o Claudio éramos mais próximos, pq tinha um
contato forte com minha mãe, então todo final de semana lembro da gente lá na
casa dele ouvindo jazz e rodeado por paredes cheia de quadros de artistas
famosos/conhecidos, que na época pra mim não eram nomes apenas quadros (risos),
mas que me aguçavam a percepção, eu lembro muito de um da Claudia Leão, que era
uma foto com uma espere de moldura com uma lente de aumento com olhos, o
Claudio se tornou uma referência pra mim, lembro que inclusive umas das minhas
primeiras conversas com o Paulo H. foi sobre o Claudio e toda aquela figura
forte e contraditória que ele era. Eu cresci nesse meio, desde pequeno sabia
que era isso que eu ia fazer, eu gostava de cantar, meu sonho era ser cantor de
ópera, comecei a estudar no Conservatório Carlos Gomes em Belém quando tinha
uns 8 anos de idade, estudava música erudita, na época não podia cantar ópera
devido as regras rígidas do conservatório, não tinha idade e nem voz formada
segundo eles. Estudei quase 5 anos lá, violino, flauta doce e teoria musical,
depois larguei tudo e fui para o teatro, estudei corpo, cheguei a fazer dança
um tempo, fiz formação de ator na universidade federal do Pará, entrei pra uma
companhia de teatro-dança, mas também fiz teatrão daqueles com texto grande pra
decorar (risos). E foi quando veio a época da universidade, eu queria fazer
cênicas, mas em Belém não tínhamos graduação ainda em nenhuma universidade, fui
para as artes visuais, e através da universidade que comecei a debruçar meus
trabalhos para as visuais, aos poucos comecei entrar num processo de
afastamento do teatro, lembro de uma época a Marisa Mokarzel, que foi minha
professora e orientadora na graduação, dizendo de um processo de
negação/afastamento do teatro em meu trabalho, e nesse sentido a performance
veio como um caminho, por isso coloco ela como um rastro na minha produção, que
segue através para outras linguagens como a fotografia, o video, o desenho, a
pintura e o cinema. Eu não me considero um artista da performance, não gosto de
ser colocado nesse lugar, apesar de te-la como um vestígio. Essa coisa
interdisciplinar no meu processo se deu naturalmente, talvez seja intuitivo e
não proposital, acho que pela minha formação desde pequeno na arte ter se dado
desta maneira.
Sendo paraense, nascido distante do chamado
eixo Sul-Sudeste onde a arte contemporânea atende a padrões de circulação
definidos (e por vezes engessado) por um sistema, como tem se dado a recepção
de seu trabalho no Brasil e no exterior?
Não sei
ao certo, mas eu posso me considerar um artista marginal, ou “quase” marginal,
pq e eu tenho um certo diálogo com esse sistema/circuito de circulação, mas ao
mesmo tempo ele não me consome ao todo. É como se eu estivesse dentro e fora ao
mesmo tempo, numa relação de morde e assopra. Eu não tenho galeria que me
representa no Brasil, mas tenho uma que me representa fora. Isso é curioso.
Fora do Brasil eu circulo mais através da minha produção em Performance, e que
me parece muito bem estabelecido la fora no sentido de sistema. circuito e
mercado, com galerias especializadas nessa linguagem, como a Defibrillator
Gallery em Chicago, da qual faço parte. Porém ao mesmo tempo eu tenho inserções
do meu trabalho em coleções de Museus tanto na minha cidade como no eixo
Sul-Sudeste. Não sei dizer ao certo, e fico temeroso de afirmar isso por várias
questões, mas eu sinto a absorção do meu trabalho lá fora mais fluida do que
aqui dentro, ou talvez isso seja apenas uma percepção distópica das coisas
(risos)
Percebo em seus trabalhos iniciais, como no
projeto Gallus Sapiens, que eles trazem e traduzem de alguma forma elementos
locais de sua terra natal. Sem querer rotular de regionalista algumas de suas
práticas, poderia nos contar como o contexto de sua terra-natal afeta seu
trabalho ainda hoje? Considera isso relevante?
sim, de
total relevância. Acredito que todo o trabalho que produzo possui esse diálogo
de onde eu venho. Eu venho de lá, “nascido na Amazônia e de coração selvagem” e
vou construindo essas narrativas sobre o que vejo aqui, ali e acolá. Não se
trata de “regionalismo”, acho que colocar ou rotular isso seja um padrão
estabelecido como necessidade por esse eixo sul-sudeste que deseja engessar o
que não pode ser engessado. O lugar de onde eu vim está entranhado na minha
carne e no meu suor (há muito calor e humidade na minha terra, rs), e o afeto
pelas coisas perpassa por esse caminho, elas são contaminadas e vão
contaminando ao mesmo tempo, a natureza tem uma lembrança instintiva.
Como surgiu o projeto Camisa Social e por
que grafa brazileira com “Z”?
O
trabalho nasce a partir da minha dificuldade de lateralidade. Desde que eu me
entendo enquanto pessoa não sei identificar os lados e as direções direta e
esquerda, sempre num quase drama cotidiano de trocar os lados e me perder nos
caminhos e indicações desses caminhos. Então comecei a querer saber de outras
pessoas que também possuem essa dificuldade, e como elas viviam e que tipo de
estratégias criaram para se localizar. Essa necessidade foi surgindo com o
desejo também de dialogar com as questões políticas inflamadas no país. De
perceber essa necessidade geral de saber sobre política, de debater sobre, de
querer entender os processos, e de toda essa arena que as redes sociais, os
encontros nos bares com os amigos e demais reuniões se tornaram em torno da
política, como numa corrida pela informação e o conhecimento neste sentido. De
repente o país se tornou um turbilhão de informações, discussões e leituras
abrindo precedentes para equívocos propositais. o “Z” vem de uma coisa antiga,
lembro de uma publicidade que tem em Belém do inicio do século passado numa rua
chamada gaspar viana, onde tem escrito alguma coisa e “INDUSTRIA BRAZILEIRA”, e
um desenho de índios em meio a floresta ilustrando essa propaganda feita num
mural de azulejos de um prédio antigo na cidade, de um antigo que não esta
ligado a uma nostalgia sentimental, mas a idéia de anacronismo. Em algumas
pesquisas que fiz existia-se uma dúvida sobre a escrita entre Brasil e Brazil,
ambas as formas estão corretas e foi quando a reforma ortográfica de 1943 veio
a padronizar a escrita correta apenas com S. Há também uma relação crítica com
aquela revista americana The Economist, quando estávamos na crista da onda
mundial, e lembro da capa do cristo redentor decolando como uma espaço nave da
NASA, com o título na capa: “Brazil Takes Off”.
Em 2017 pudemos observar o incremento de
discursos que criminalizam a arte e o artista contemporâneo por comentarem a
complexidade do mundo que não cabe mais em noções dualistas e simplistas como
“bom-mal”, “bonito-feio”, “mulher-homem”, “certo-errado”, etc. Para além da
questão da “esquerda-direita” este projeto critica visões dualistas
limitadoras. Como você percebe esta sua proposta com relação ao momento
político do Brasil?
Isso me
lembra uma entrevista que li da Sueli Rolnik do qual ela fala sobre uma
possível “Comunidade Transnacional Flutuante” que parte para além do binário de
maneira informal, múltipla e variável, orientada por um bússola ética, “cuja
agulha aponta para tudo aquilo que impede a afirmação da vida, sua preservação
e sua expansão”. Comecei a pensar a partir de tais provocações numa possível
“translateraliade” ultrapassando a ideia da direita e da esquerda no sentido da
micropolítica do afeto, do abranger e não do restringir como reatividade
opositora. Talvez por isso tenha colocado uma camisa de lados invertidos, ela
me dá esse direcionamento que ainda não tem nome, que desejo discutir junto,
por isso o do convite para o diálogo nas provocações executadas nas redes
sociais para este projeto, numa construção em conjunto de tais narrativas, como
num naufrágio onde pequenos pedaços de madeira ou objetos que flutuam soltos
são possibilidades de sobrevivência em meio a catástrofe anunciada.
PS. É
importante também ressaltar que não me posiciono aqui em cima do muro de tais
discussões, pelo contrario, evidentemente parto da perspectiva “canhota” para
me lançar a outras ramificações deste pensamento.
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