Cauê Alves
Em 1948, prestes a inaugurar uma grande exposição no Museu de arte da Filadélfia, Henri Matisse, em carta para o então diretor da instituição, Henry Clifford, manifestou preocupação com a suposta ausência de dificuldades de sua pintura: “Sempre tentei ocultar os meus esforços, sempre desejei que minhas obras tivessem a leveza e a alegria da primavera, que nunca nos permite suspeitar o trabalho que custou. Por isso, receios que os jovens, vendo em minha obra apenas uma facilidade aparente e negligência no desenho, se sirvam disso como desculpa para evitar certos esforços que me parecem necessários”.
Se pudéssemos incluir Tatiana Blass entre esses jovens, o receio do mestre teria sido em vão. Sua pintura, apesar do frescor e da delicadeza, possui um rigor formal que deixa evidente o emprenho que exige. Não há, por parte dela, qualquer tentativa de recorrer a atalhos ou chegar à primavera sem antes atravessar a severidade do inverno. As várias camadas de tinta sobrepostas jamais dissimulam o esforço da artista, mesmo que o resultado tenha a aparência geral de uma paisagem cujos contrastes cromáticos estejam apaziguados, e isso vale inclusive para as cores mais berrantes. O seu esforço é no sentido de acomodar e aquietar massas diversas de cor do melhor modo possível, ou seja, encontrar intuitivamente certo acordo cromático que estruture o trabalho. E essa tarefa é cumprida ao mesmo tempo em que seu trabalho ganha densidade.
Embora a pintura seja algo onipresente na trajetória da artista (inclusive, nas pinturas recentes, as relações tonais são mais valorizadas e dependem, cada vez menos, de um fundo neutro que o branco tendia a se tornar), nos últimos tempos, novas experiências, notadamente trabalhos tridimensionais, têm lhe interessado. Páreo – escultura de mármore em que quatro patas de cavalo, em tamanho real, descem as escadarias do Paço das Artes – remete-nos, assim como muitas de suas pinturas, à paisagem. Mas aqui há apenas um índice do animal, uma vez que uma espécie de linha do horizonte elimina a maior parte do seu corpo. Assim, cabe ao visitante, mais do que inferir o dorso do cavalo, completar o entorno e relacionar o trabalho com o local em que está colocado.
Já a operação feita em Espartilho é diversa, em vez de seccionar a paisagem, há uma espécie de desafio à lei da gravidade. Trata-se e quatro plataformas de diferentes espessuras e a alturas, apoiadas em estruturas de madeira, que levam os galhos de uma goiabeira no canteiro central da Avenida da Universidade. Mais do que aludir a uma paisagem ou representá-la, a artista interfere diretamente na natureza. O “fundo” sobre o qual o trabalho pode ser percebido é a própria Cidade Universitária, mas só haveria essa percepção se o trabalho não se disfarçasse entre as árvores para evitar um assédio direto. A estrutura que agora sustenta a copa da árvore – assim como a cinta que comprime o abdome e a cintura da mulher para deixá-la mais esbelta – não poderia ser evidente e, por isso, a pintura verde o camufla. Mas é certo que a goiabeira, segundo um determinado padrão – que talvez não seja o predominante em nosso tempo, nem comum para uma árvore – está agora mais elegante.
Todavia, a elegância desse trabalho diverge das técnicas de Photoshop ou lipoaspirações tão comuns nos dias de hoje. É uma elegância altiva, de um momento determinado, que busca, em vez de podar a natureza, modelá-la provisoriamente e, por isso, talvez seja essa uma beleza fora de moda, ou melhor, que se recusa a estar sempre na moda.
Desse modo, o projeto de Tatiana Blass, se, por um lado, também oculta as próprias dificuldades do seu fazer, permite-nos ampliar o receio de Matisse: mesmo que não traga exatamente uma alegria da primavera, o trabalho não faz concessões e exige um esforço também do público.