Daniela Maura Ribeiro

o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes
Rodrigo Garcia Lopes

O olhar do pintor - aquele que observa com cuidado -, capaz de operar com vários matizes de cores e percebê-los surgindo nas veladuras, é o olhar de Vicente Martinez ao realizar suas obras com fita adesiva transparente sobre parede. O brilho da fita contra a opacidade da parede opera como o verniz sobre a tela. A luz sobre a superfície transparente, favorece o reflexo de diferentes nuanças de cor.

Vicente Martinez vale-se apenas de pedaços de fita adesiva cortados em tamanhos regulares e aplicados com intervalos igualmente regulares, geometricamente formando círculos - à maneira de uma tabela cromática. Estabelece um diálogo com a minimal art - cujo princípio é propor objetos de formas simples, simétricos, mecanicamente acabados, geralmente fabricados em materiais industriais perenes – ao questioná-la: utiliza um objeto industrial, mas de qualidade perecível/orgânica que sofrerá metamorfoses em decorrência da ação do tempo e de fatores ambientais. Aparenta meticulosidade na fatura, mas o corte e aplicação da fita são imprecisos. As tiras são produzidas pela mão do artista munida de uma tesoura e aplicadas uma a uma cuidadosamente sobre a parede num processo artesanal - ousaria dizer nesse momento. O gesto humano de aplicar, repetido, revela as imperfeições/variações na morfologia das tiras e torna imprevisível o resultado, diferindo de qualquer procedimento mecânico de acabamento industrializado, como proposto pela minimal art

Ao considerar o trabalho na simplicidade de sua apresentação, cabe citar a célebre máxima do pintor norte-americano Frank Stella “O que se dá a ver é o que você vê” (what you see is what you see), ou seja, - tiras de fita adesiva transparente sobre a superfície de uma parede. Simultaneamente, a obra acontece no âmbito complexo das relações: a fita por sua qualidade de transparência e brilho, absorve e irradia todo o espectro cromático em contato com a luz. O espectador frente a essa transparência passa a ser ele mesmo fonte de cor – assim como qualquer objeto do entorno. Espelhado nas fitas, colore e interage com a obra. Contempla. Experimenta um universo de sensações.  

Círculos

Vicente Martinez

  • Círculos (2001)
    instalação com fita adesiva sobre parede
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Daniela Maura Ribeiro

Daniela Maura Ribeiro é doutoranda em história social pela FFLCH-USP e mestre em artes pela ECA-USP. Colabora com textos críticos em catálogos de exposições.

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