Maria Alice Milliet

Josivan, Charliane, Dejanilton, Francielma, Gleidiane, Karlene e seus colegas Giliard, Clebson e Keluir são jovens da chamada "geração Heliópolis", nascidos ou criados na maior favela da cidade. Seus nomes surpreendem por serem estranhos, lembram os da ficção científica. A sonoridade insólita dos Vagnoel e Agdoeldon (notável a recorrência da letra L) torna difícil memorizá-Ios. O que significam? Perguntando a uns e outros, fica-se sabendo que são formas compósitas, mais das vezes produto da união de fragmentos tirados dos nomes de avós ou pais, mas também de artistas ou pessoas a quem se quer homenagear. O processo inventivo revela genealogias fundadas em vínculos afetivos. Enquanto os sobrenomes perdem importância, os nomes próprios assumem, aqui, dupla função: assinalar uma origem e conferir distinção social. Cada nome é único como único é o ser que identifica. Esse desejo de individuação pode bem ser convertido em vontade de cidadania. 

Estimular em cada pessoa a posse da própria identidade, esse é o trabalho do qual Lilian Amaral participa, em parceria com a comunidade. Conhecer e conhecer-se só funciona em regime de troca, em mão dupla. Ela se deixa conduzir. O contato com as múltiplas "realidades" de Heliópolis - cerca de 80.000 moradores, dos quais 49% menores - acontece através de um grupo de alunos da Escola Municipal Presidente Campos Salles. Eles guiam seu olhar "estrangeiro" pelo labirinto de becos e vielas. A favela é um mundo. Na paisagem caótica, onde casa é "barraquinho", há também locais "nobres", com asfalto e fachadas de alvenaria. Há de tudo, gente e bichos. "Aqui todo mundo tem dono", explica o frequentador do forró. Passarinho na gaiola, cachorro atrás do portão, grades. "Tem muito rato, mas não entram em casa porque tenho um bom gato, o Pelé", 
assegura um morador. O córrego entupido de lixo - verde bílis, latas e plástico acumulado - parece obra de Nuno Ramos. Roupas no varal recordam bandeirinhas de Volpi, enquanto os mocós de Oiticica estão em toda parte. No ar, uma feira sonora. Os alto-falantes dos carros competem em volume com o som que vem das janelas, dos botecos. Música é que não falta. A rádio pirata vai de Lobão ao pagode; na igreja apresenta-se o coral local e, certa vez, estudantes suíços lá tocaram Bach. Nem só de bandidos e marginais vive a favela. As associações de moradores são fortes e o centro comunitário em construção vai ter até quadra poliesportiva

E isso é só o começo! 

Lilian Amaral foi artista convidada para a Temporada de Projetos 2000

Alegoria do caos: Paço das Artes - Heliópolis

Lilian Amaral

  • Alegoria do caos (2000)
    intervenção multimídia
  • Carcaças (2000), instalação que compõe a exposição Alegoria do Caos
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Maria Alice Milliet

Maria Alice Milliet é curadora independente e doutora em História da Arte pela FAU-USP.

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