Sergio Pinzón - "Projeto de ciclorama #2", 2016, instalação
Sergio Pinzón
Sergio Pinzón nasceu em 1988 em Bogotá, Colômbia. Vive e trabalha em São Paulo. É formado em Artes Plásticas (2010) na Universidad de los Andes, mestre em Poéticas Visuais na Universidade de São Paulo epossui especialização em Gestão de Projetos Culturais do Centro de Estudo Latinoamericanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC) da Universidade de São Paulo. Atualmente participa do grupo de acompanhamento de projetos orientado pelos artistas Nino Cais e Marcelo Amorim, e faz parte da equipe de produção do espaço independente de arte contemporânea Ateliê397.
Ana Luisa Lima
Carta para Sergio Pinzón
Ana Luisa Lima
São Paulo, vinte e dois de janeiro de dois mil e dezesseis
“No sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou.” Jorge Luis Borges em “As ruínas circulares”.
Querido Sergio,
Depois do nosso recente encontro para conversarmos sobre seus trabalhos. Reafirmou, em mim, a ideia de que para além de alguns conceitos que seus trabalhos apontam – tais quais: simulacro, dispositivo, espaço/tempo –, há neles uma condição inevitável a ser considerada: o trabalho como acontecimento. Já não é de agora que o desejo de acessar a arte através de um aporte meramente racional tem empalidecido as experiências estéticas e colocado em xeque o lugar da imaginação criativa de quem frui. Desse modo, ao ser deportado da experiência criadora, aquele que deveria ser um fruidor volta a ser apenas espectador de um trabalho de arte.
Seria um erro enorme, depois de reconhecido a importância da participação no binômio arte-público – e, sobre isso, sempre vale a pena ler e reler Clark e Oiticica –, voltarmos a ter uma relação retiniana, limitada, com qualquer trabalho. E aqui passo a afirmar que, sim, seu trabalho Projeto de Ciclorama #2 traz preciosos conteúdos de deslocamentos semânticos. Como no caso do hiperlink possível: Paço (das Artes)/Palácio (de Versalhes) que faz pensar, ainda mais no caso dos nossos países Latino-Americanos, em como ainda é intenso e real o desejo cafona de emparelhamento às expectativas dos países – de maneira muito equivocada ainda citados como – de primeiro mundo. Mas, para muito, além disso, desse aporte racional, o trabalho me desperta um outro lugar de passagem.
Para quem sempre se deixou conduzir pelas adoráveis mãos da imaginação-literária, me foi inevitável pensar sua proposta de Ciclorama pelo viés da máquina de realidade invisível. O Realismo Mágico sempre me salvou de não ter que passar pelo torturante exercício do pensar distanciado do prazer. O que quero dizer é que sempre me foi mais proveitoso acessar as coisas reais através das narrativas irreais, ou, em melhor palavra: fantásticas. Meus primeiros passos para entender física quântica, dobras do tempo, teoria da relatividade, não foram pelos livros científicos, mas através dos deslumbrantes cenários e construções dialógicas de brilhantes escritores como os argentinos Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares.
Creio que esse é um legado do qual nós latino-americanos não podemos prescindir. De entender que na arte cabe o lugar da razão, do argumento lógico, mas sobretudo, a arte é o lugar da intuição, do devaneio, da viagem feita com os pés fincados no chão. É por esse olhar que quero experimentar teu Ciclorama: como uma máquina de uma realidade invisível. Numa relação estética em que se é possível se transportar para outros lugares. E que nesse transportar-se sejam possíveis também os exercícios do pensar que nos conduzem a novas possibilidades de construção do conhecimento. Até porque se não for nessa possibilidade de criarmos novos conteúdos, a partir da experiência estética, eu não conseguiria ver relevância da arte. Não me cabe a ideia de uma produção de arte que existe apenas para constatar uma realidade. Como em muitos trabalhos atuais se pode ver. Usam de um artifício estético para apenas propor um jogo de “enigmas”, quase sempre, pouco desafiador. Esse jogo de “adivinha do que estou falando?” do artista contemporâneo reverbera muito mal em nossa já defasada cultura.
Por último, retomo o que comecei dizendo sobre a arte ser acontecimento. É que nunca se pode perder de vista que a arte ela nunca é-em-si. Mas se reinventa e se reconstrói a partir de contextos sejam esses objetivos (lugar/arquitetura/economia…) ou subjetivos (a partir das narrativas de qualquer um que se inteire/integra à obra). Desse modo, é sempre bom lembrar que a experiência estética nunca estará encerrada num conjunto de discursos. E assim, faço votos que tua paisagem-transferida seja um portal para viajantes interessados em outros mundos.