José Augusto Ribeiro
A figura do autor como aquele que produz articulações formais ou de ideias corre em paralelo às noções modernas de artista e de curador na arte contemporânea. O artista não é mais somente o criador de peças artísticas nem o curador, mero organizador de acervos. Cada vez mais, pelo menos desde Courbet (
Realismo, 1853), artistas preparam exposições, as próprias ou não. E quando a curadoria é uma seleção de obras alheias, o resultado pode ser tanto uma coletiva quanto uma individual, uma instalação.
A produção recente de Armando Mattos enquadra-se na categoria que prevê a apropriação de trabalhos de outros para a formatação de um novo. Em Genealogia do espaço (2002), o artista carioca apresentava esculturas, pinturas, objetos e instalações (Lygia Clark, Anna Maria Maiolino, Luiz Alphonsus e Carmela Gross, entre outros) pertencentes a sua coleção particular, sem obedecer a normas de museologia, confundindo ordenações dos contextos institucional e privado. A "ação artística" residia no arranjo das obras, na ocupação do espaço expositivo, nas aproximações interpretativas e no colecionismo por si só, entendido, aqui, como esforço político para retirar os itens da circulação mercantil.
Se não havia identificação de título, autor, ano, técnica, medidas e procedência dos trabalhos em Genealogia, os dados são quase tudo o que temos em Information show: détournement pour rouge (2003). A instalação constitui-se de painéis pintados de vermelho; fichas técnicas de 21 trabalhos (ausentes na exposição) que têm a cor vermelha no título ou na solução; legendas de outras seis obras, gravadas em placas de bronze, como as de benemérito; e, por fim, cópias fiéis, feitas pelo artista, de um painel luminoso da série Truísmos, de Jenny Holzer ("o abuso de poder não surpreende"), e da escultura com lâmpadas de néon Sem título (para V. Maiakovski), de Dan Flavin.
O projeto valoriza a arte concreta, o neoconcretismo e a arte conceitual, num panorama que vai de 1908 a 1994. Reúne de Henri Matisse (Estúdio vermelho) a Louise Bourgeois (Red room), passando por Joseph Albers (Homenagem ao quadrado), Aluísio Carvão (Clarovermelho), Ana Mendieta (da série Silhueta), Hans Haacke (MoMA PolI), Gilbert & George (The red sculpture), Hélio Oiticica (Vermelho cortando o branco), Joseph Kosuth (Passagen-werk), Milton Dacosta (Em vermelho), Rebbeca Horn (High moon) e Anthony Caro (Early one morning), entre outros.
As citações vão além. O francês "détournement" do título faz referência à deriva situacionista teorizada por Guy Debord. Détournement pour rouge, ou desvio para o vermelho, alude, enfim, à instalação de Cildo Meireles (1967-1984). Na montagem, a disposição em conjunto das fichas de acrílico transparente remete a uma figura muito recorrente na trajetória de Antonio Dias: o retângulo incompleto, com lacuna em uma das extremidades.
A ideia de que a arte é, sobretudo, informação estrutura-se em comentários a respeito da história e do objeto de arte, da autoria, do mercado e do redimensionamento do espaço da instituição. Os materiais "antiestéticos" trazem textos, com nomes e números. Sugerem preços, ao passo que as reproduções parecem dizer que qualquer um pode fazer um Flavin ou uma Holzer. A visualização das imagens já depende do repertório do visitante. Por isso, preocupa o artista o fato de as informações serem armazenadas e processadas em discursos ideológicos pelo sistema de artes. "O museu será um enorme banco de dados", vaticina Armando Mattos. A tempo, Information show está devidamente sinalizado no Paço das Artes.