José Augusto Ribeiro
A diversificação de meios e suportes empreendida pelo neoconcretismo e pelas vertentes neofigurativas do Brasil, na segunda metade do século passado, aprofundou as pesquisas sobre a construção, a difusão e a manipulação da imagem. As linguagens estão em desenvolvimento, com tendência para o objeto e para a tomada de consciência em relação a problemas sociais, éticos e políticos, desembocaram nas experiências com a participação (corporal, semântica e visual) do espectador. Os caminhos de proposição de uma vanguarda “genuinamente” brasileira orientam agora, em nova roupagem, o trabalho de Cesar Oiticica Filho.
A série Pintura fotográfica dá início ao percurso e, como indica o título, situa-se entre a pintura e a fotografia. É pintura abstrata feita com luz, em papel fotográfico. O processo é o da fotografia por ser, literalmente, gravação de luz. A técnica do light-paiting consiste em produzir, com lanternas e adaptadores, linhas e campos de cor que se expandem na emulsão. O papel sensível à luminosidade registra a cor oposta à da irradiação. O que significa que o facho de luz vermelha torna-se azul no suporte, o branco vira amarelo e assim por diante. Os traços são gestuais, circulares, em geral.
O resultado pictórico, com uma coloração próxima à dos Aparelhos cinecromáticos de Abraham Palatnik, passa por um processo de digitalização capaz de preservar a cor do original em dados binários. É como se a virtualidade do meio digital, corporificada na fotografia, estivesse a serviço da preservação da pintura. Uma combinação de mídias que, em última instância, presta-se a frear a ação do tempo sobre o objeto de arte.
A percepção temporal é, também, tema de Cosmocápsula. A instalação não só do título que faz alusão às “bloco-experiências” do tio do artista, como se apropria de um vídeo feito por Neville de Almeida, em 1972, que documenta Hélio Oiticica a desenhar algumas das Cosmococas. As imagens são projetadas em um pequeno monitor instalado na cápsula, um ambiente de espuma com 2,50 x 1,50 x 1,30 m, em meio ao breu, onde os sentidos do visitante são absorvidos pelos sons do fone de ouvido e pela luminosidade da tela.
A “viagem” começa com cenas vertiginosas, captadas por Cesar Oiticica, de uma instalação com espelhos da artista japonesa Yayoi Kusama. Os reflexos multiplicam imagens difíceis de identificar e os movimentos de câmera são rápidos e curtos, a fim de produzir a sensação de uma hipotética máquina do tempo. De volta à década de 1970, o espectador depara com Hélio e Neville debruçados sobre o brilho da cocaína, esticando carreiras em cima de capas de livros, discos, jornais e toda a sorte de ícones da cultura pop.
Quem quiser também pode desenhar, mas com luz, na Caixa de dança. Trata-se de um cubo escuro que faz as vestes de pista de boate, onde, parar entrar, é preciso vestir um macacão em que estão espalhadas pequenas lâmpadas coloridas. Uma câmera fotográfica digital instalada na caixa escura registra 30 segundos de ação em uma única produção. Portanto, quanto maiores os movimentos do corpo e a ocupação do espaço em meio minuto, maior o preenchimento da área preta da foto com riscos de luz. Em seguida, cópia da imagem é enviada ao participante por e-mail. A música que á o ritmo aos traços é uma “tecneira de braço” do grupo de percussão Batuntã, dedicado a releituras de ritmos populares brasileiros, sob influência da música eletrônica. É, de novo, a ponte entre o passado e o presente, entre o analógico e o digital, pela via da luz, da produção de imagens e da participação em tempo comprimido.
* Cesar Oiticica Filho foi artista convidado para a Temporada de Projetos 2004