O professor de comunicação e semiótica da PUC-SP Arlindo Machado tem uma boa tese para explicar a recorrência de temas íntimos, pertencentes à esfera da vida privada, em parte representativa da videoarte feita no Brasil. Em primeiro lugar, por ser um meio com imagem considerada de baixa resolução - se comparado à fotografia ou ao cinema -, o vídeo tende à decomposição dos motivos e ao recorte fragmentário da narrativa. A técnica determina a linguagem metonímica, em que os closes e os detalhes articulam-se e se superpõem para sugerir a totalidade. Em geral os personagens dos filmes são poucos, e as tomadas, feitas em interiores. Destas características, surge a "obra em tom menor", a respeito da micropolítica e, também, dos dramas e prazeres pessoais.
Os trabalhos individuais de Lucila Meirelles e de Inês Cardoso inscrevem-se nesta linhagem, assim como o projeto desenvolvido pela dupla, chamado Úteros em fúria. Trata-se de uma videoinstalação formada por dois filmes digitais, autônomos, um de cada diretora. O tema comum são os sentimentos arrebatadores, em contraposição à apatia, no limiar entre a paixão e a fúria. Os vídeos são projetados, em subsequência e em loop, sobre uma cama desarrumada, presa à parede pelos pés, propondo a ideia de um ambiente propício à intimidade. As imagens aspiram a uma explosão de luz que corresponderia ao arroubo de estados afetivos ambivalentes, com uma projeção que transborda a área do suporte, para atingir a parede.
Criptografias (2004), de Lucila Meirelles, dá continuidade a uma série iniciada em 2002, com Criptogramas, ocorrências digitais, um vídeo realizado em parceria com Daniela Baranzini, sobre ataques perpetrados por hackers no ciberespaço. O alvo das investidas muda de um trabalho para o outro. No mais recente deles, a artista utiliza a linguagem cifrada dos invasores de sistemas computacionais para formatar cartas-bombas de amor. Nos textos, prevalecem tons de ameaça comuns a relações possessivas: "Conheço suas vulnerabilidades ... Posso te atacar a qualquer momento"; "Vou me tornar invisível, para ver se ele está com alguém"; "Vou jogar uma praga para todos os outros saírem da nossa saia"; ou "Quero você na minha sala o tempo todo". Os grafismos criados pela codificação das mensagens sucedem-se (e reaparecem), à medida que se intensifica o ritmo dos sons incidentais de respiração e ruídos eletrônicos.
Pocilga, de Inês Cardoso, propõe outra metáfora para a antinomia do acolhedor e do repulsivo. O filme começa com cenas do deserto do Colorado, nos Estados Unidos, coberto de neve. Uma paisagem alva e aparentemente tranquila que é interrompida, de súbito, pela agitação de porcos confinados em um chiqueiro. As duas sequências de imagens são entrecortadas por cenas da artista em rodopios, num ambiente todo branco. É impossível descolar-se de tanta simbologia. As citações constantes na trajetória de Inês Cardoso a poesias e textos filosóficos concentram-se, desta vez, numa frase do apocalíptico Jean Baudrillard: "A razão da fúria é a incompreensão da diferença". E a compreensão do "outro" começa, justamente, no plano da subjetividade, de forma parcial e relativa.