Muito já foi dito sobre a relação de continuidade entre pintura e mundo, sobre o modo como tantos artistas modernos e contemporâneos extrapolaram os limites da tela e se relacionaram diretamente com a realidade para além do contorno inicial do suporte. Essa saída da pintura do plano para o espaço representou para alguns a sua morte e, para outros, a sua possibilidade de continuidade e desdobramento.

O movimento presente no trabalho de Tony Camargo, especialmente nas pinturas sobre metacrilato justapostas às fotografias, não é apenas o da pintura em direção ao mundo, mas também o seu inverso, como se a pintura já estivesse dada. Tudo se passa como se os mais variados objetos com os quais lidamos no cotidiano fossem, eles mesmos, pictóricos e a ação do artista nos permitiria reencontrar a pintura neles. Não se trata, entretanto, de uma potência pictórica que necessitaria ser atualizada pelo gesto artístico, afinal, a realidade, tal como as imagens fotográficas a representam, não é passiva. A cena fotografada é editada e dirigida pelo artista que, ao empregar seu próprio corpo, nos mostra que a mera oposição entre passividade e atividade não daria conta da complexidade do mundo.

É no corpo do artista que esse complexo entrecruzamento se realiza, um corpo que é sujeito e, ao se transformar em imagem, é também objeto da pintura. Tudo o que é gesto nas fotos, ação de apontar, equilibrar utensílios e se camuflar, é não gestual na pintura. Embora num primeiro olhar talvez seu trabalho apresente uma geometria um tanto rígida, aos poucos, inundada de cor, ela vai se tornando mais sensível e orgânica. Por mais lisas e artificiais que sejam suas cores, por mais que exalem uma artificialidade industrial, às vezes beirando o kitsch, elas constituem um valor temático. A cor nesses trabalhos, além de elemento da interseção entre pintura e fotografia, é processo dinâmico, força e pulsão. A luminosidade que elas exalam, mesmo quando há dégradé, é sóbria como uma pintura de Joseph Albers. E sua organicidade formal não se manifesta apenas na qualidade das cores, ou em algumas velaturas, mas também na quebra da quadratura tradicional do suporte com a eliminação de cantos e o arredondamento de arestas.

A beleza que se mostra na simplicidade das coisas jamais poderia ser compreendida como uma conseqüência de certos efeitos visuais que a facilidade que Tony Camargo tem com a forma o permitiria fazer como num passe de mágica. Seu trabalho é construído na banalidade do cotidiano e no ordinário, em prosa e, ao mesmo tempo, na suspensão de um tempo e espaço que o culto ao belo gera. Há uma estranheza e uma indeterminação que sempre remete a um reencontro do mundo que nos é habitual com o que há de extraordinário na pintura e vice-versa, sem que haja oposição entre ambos ou preferência por um dos lados. Isso nos indica que, ao contrário do legado de certa tradição que compreende a arte apenas como simulacro, talvez exista uma unidade primordial e anterior entre mundo e pintura, sem que isso implique uma total dissolução da arte ou a perda de sua autonomia.

Tony Camargo

Tony Camargo

  • Sem título (2007)
    Fotografia em placa acrílica, verniz sintético, mdf e fórmica
  • Sem título (2007)
    Fotografia em placa acrílica, verniz sintético, mdf e fórmica
  • Sem título (2007)
    Fotografia em placa acrílica, verniz sintético, mdf e fórmica
  • Sem título (2007)
    Fotografia em placa acrílica, verniz sintético, mdf e fórmica
  • Sem título (2007)
    Fotografia em placa acrílica, verniz sintético, mdf e fórmica
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Cauê Alves

Cauê Alves (São Paulo, Brasil, 1977) é professor do curso Arte: história, crítica e curadoria, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É curador do Clube de Gravura do Museu de Arte Moderna de São Paulo e realizou, entre outras curadorias, MAM[na]OCA: arte brasileira do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2006), a mostra Quase líquido, Itaú Cultural (2008) e Da Estrutura ao Tempo: Hélio Oiticica, no Instituto de Arte Contemporânea (2009). Atualmente está preparando uma exposição monográfica sobre Mira Schendel (2010) e será curador do Panorama da Arte Brasileira do MAM (2011) e curador adjunto da 8ª Bienal do Mercosul (2011).

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