Os fragmentos de arquitetura presentes no trabalho de Geraldo Zamproni não são partes isoladas e perdidas de algum edifício singular e específico. Trata-se de elementos tão essenciais que poderiam integrar qualquer construção. Há neles um grau de abstração próximo da universalidade.

Com quatro colunas e três degraus o artista pode sugerir, por exemplo, uma construção retangular com o piso elevado, um espaço qualquer que de fato não podemos habitar porque ele está apenas indicado. A aparência de concreto áspero contribui para a ideia de que a obra está inacabada, em processo de construção, como se houvesse algo ainda por fazer. Como o raciocínio de Zamproni se dá a partir de módulos, há alusão à possibilidade de continuidade do trabalho. Nas construções do artista, é como se outro módulo pudesse ser acoplado ou retirado, como se a escada pudesse ter um degrau a mais, como se a coluna pudesse variar de tamanho de acordo com a necessidade do ambiente.

A variação é bem mais imediata do que aquela dos projetos arquitetônicos com materiais pré-fabricados. Cada módulo de Zamproni está conectado a outro por um zíper e, portanto, eles podem ser soltos ou presos com facilidade. O zíper é uma invenção que revolucionou as vestimentas e a vida cotidiana. Ele substituiu os antigos fechos e agilizou tarefas como as de abrir e fechar bolsas, malas ou casacos. Usar o zíper para conectar elementos arquitetônicos, além de abordar a rápida possibilidade de construção ou desconstrução de estruturas de prédios, é também aproximar, não sem uma dose de ironia, a arquitetura do campo da moda. O que seria essencial num edifício passa a ser completamente provisório.

Nelson Leirner, em 1967, realizou a série Homenagem a Fontana, que consistia em telas rasgadas que poderiam ser fechadas e reabertas com zíper. O título era uma fina ironia em relação ao gesto agressivo e romântico do pintor ítalo-argentino. Leirner permitia que o gesto de Fontana fosse refeito de modo anônimo, repetitivo e sem qualquer heroísmo. Zamproni, que não por acaso é formado em arquitetura, amplia essa possibilidade para o campo tridimensional, mesmo que seu trabalho se volte para outras questões.

Até mesmo o jardim, que pressupõe certo período para que as raízes se fixem e as folhas cresçam, passa a ser fugaz e portátil. O paisagismo é tratado pelo artista de modo tão prático que coloca em xeque a naturalidade das plantas. A velocidade com que se fecha e abre um zíper torna-se a mesma com que se faz e desfaz um jardim. Além de reaproximar a escala da arquitetura da escala do corpo humano, é como se, no trabalho de Geraldo Zamproni, tudo o que é essencial num edifício ou paisagem fosse também volátil.

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Entrevista com Geraldo Zamproni, por Cauê Alves

Leia a seguir uma edição da entrevista que o curador Cauê Alves fez por e-mail com Geraldo Zamproni, artista selecionado para a Temporada de Projetos 2010 do Paço das Artes.

Cauê Alves: Algo importante na sua formação é o estudo em arquitetura e no seu trabalho você reaproxima a escala da arquitetura da escala do corpo humano.

Geraldo Zamproni: Houve esta preocupação com ergonomia sim, um cubo de concreto com 30 cm é fácil de lidar e sobrepor, considerando que seu peso age no sentido vertical comprimindo e estabilizando o pilar “o zíper conteria esforços laterais”. Com área de 30 cm2, pilares possibilitam um segundo pavimento.

CA: Mas como você vê a relação entre seus trabalhos tridimensionais e o campo da moda, dos vestuários, uma vez que você usa o zíper que é uma invenção que revolucionou a fabricação das roupas?

GZ: Esta pergunta é literalmente engraçada porque no período que morei em Campo Grande - MS, meu irmão montou uma confecção de roupas e eu sem opção de escolha participei como sócio; foi uma experiência catastrófica, traumática de quatro anos a qual prefiro esquecer. Imagino que uma experiência com essa carga negativa não tenha canalizado este meu trabalho. É muito interessante estabelecer essa relação talvez poética; Arquitetar implica em elaborar, criar, surpreender, inovar, armar, estruturar; Roupa, (moda) também é isto, com a diferença que não há o estrutural (talvez), mas, com elementos similares como cor, tamanho, praticidade, conforto, finalidade e alguns elementos mais que certamente podemos encontrar numa análise mais apurada. Nesta série me interessa o estrutural com certo apelo de “brincar de construir” sem sujar e sem a necessidade de outrem especializado para a lida. E trago um elemento da moda para criar essa possibilidade.

CA: As peças que você constrói, especialmente as colunas e escadas, acabam não tendo nenhuma função estrutural ou funcional nos ambientes em que são exibidas. A coluna não sustenta nada e a escada não pode ser usada. Você acha que nesse sentido elas se aproximam do campo da cenografia ou de uma espécie de simulacro?

GZ: Quando conversamos ainda sem ter claro o que seria feito no Paço, uma das propostas era criar um espaço como numa feira de arquitetura que estivesse lançando um novo produto, o bloco de concreto com zíper, nesse espaço o observador poderia interagir com os blocos montando e desmontando pilares ou simplesmente unindo dois blocos, porém, considerei a dificuldade do manuseio desses blocos com zíper e adotei o projeto atual. Uma espécie de simulacro me parece adequado uma vez que a intenção era mostrar como ficaria um pilar de blocos de concreto ligados por zíper. Quanto a não função talvez uma estratégia inconsciente de marketing, e que você numa definição de mestre chamou de estrutura volátil.

CA: Digo isso porque o “cimento aparente” delas não é cimento de verdade e o verdadeiro material das peças está camuflado.GZ: Isto me preocupa sim, ainda tenho a intenção de fazer um bloco, mesmo que oco, de cimento com zíper, apesar de não ter encontrado ainda a maneira de lidar com os dois. Um estudo que imagino que tenha um resultado muito mais interessante. Por outro lado, antes de tentar o concreto “verdadeiro”, fiz um estudo do pilar com reaproveitamento de tapumes/ madeirite descartado, criando blocos maciços ligados por zíper, uma opção extremamente (verde) ecológica. No entanto, curiosamente, este trabalho não causa a menor reação nas pessoas que se voltam imediatamente para o concreto e zíper, se encantando ainda mais ao constatar ser um falso concreto e que parece flutuar.

Sustentabilidade

Geraldo Zamproni

  • III, da série Sustentabilidade (2010), de Geraldo Zamproni (Foto: Divulgação)


  • IV, da série Sustentabilidade (2010), de Geraldo Zamproni (Foto: Divulgação)

  • I, da série Sustentabilidade (2010), de Geraldo Zamproni (Foto: Divulgação)
  • I, da série Sustentabilidade (2010), de Geraldo Zamproni (Foto: Divulgação)


  • IV, da série Sustentabilidade (2010), de Geraldo Zamproni (Foto: Divulgação)

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Cauê Alves

Cauê Alves (São Paulo, Brasil, 1977) é professor do curso Arte: história, crítica e curadoria, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É curador do Clube de Gravura do Museu de Arte Moderna de São Paulo e realizou, entre outras curadorias, MAM[na]OCA: arte brasileira do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2006), a mostra Quase líquido, Itaú Cultural (2008) e Da Estrutura ao Tempo: Hélio Oiticica, no Instituto de Arte Contemporânea (2009). Atualmente está preparando uma exposição monográfica sobre Mira Schendel (2010) e será curador do Panorama da Arte Brasileira do MAM (2011) e curador adjunto da 8ª Bienal do Mercosul (2011).

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