Estela Sokol e o habitat natural da obra de arte
A insuficiência das estruturas de museus e galerias de arte, por mais avançados que sejam, é hoje em dia flagrante e trai, em muitos casos, o sentido profundo, a intenção renovadora do artista. Lembro-me de como Mondrian, por exemplo, é injustiçado ao ser colocado tão esteticamente dentro de vidro, em larguíssimas molduras inteligentemente boladas para suas obras, em lindas salas como um acadêmico cafona qualquer.
Talvez não tenha Mondrian deixado nenhuma específica instrução quanto a isso; mas, quando vemos as fotos de seu ateliê em Nova Iorque, com a ambientação que criara para a condição, para o nascimento de cada obra sua, vemos que estas 'viviam' muito mais ali, antes de entrarem no consumo 'cultura-comércio' em que se transformaram posteriormente, guardadas delicadamente atrás de grossos vidros em salas atapetadas etc. Por que então, para sermos fiéis ao pensamento do artista, não se reconstituem os seus ambientes pelas fotos?
Esse trecho de um manuscrito de Hélio Oiticica traz à tona a questão do ambiente em que a obra de arte nasceu. Como tirar um peixe do mar e colocá-lo num aquário, retirar uma obra de um ateliê e transferi-la para um espaço institucional de exposição ameaça descontextualizá-la. Com peixes já nascidos em aquários, o risco é menor. O artista contemporâneo sabe que sua obra um dia sairá de do ateliê, e as cria, como quem cria filhos, esperando esse dia. Estela Sokol, no entanto, tem refletido sobre o habitat natural da obra e, em montagens recentes, optou por levar para a galeria a espontaneidade das paredes de seu ateliê multicolorido na Barra Funda. Para a capa do folheto da Temporada de Projetos 2010 do Paço das Artes, escolheu uma fotografia do ateliê. A casa da obra é parte de sua gênese. Estamos muito acostumados a ver a obra como um produto na prateleira bidimensional do cubo branco. O ateliê, quando exposto, mostra o processo criativo irrompendo, as etapas da pesquisa, as crenças do artista. Estela Sokol acredita nos pressupostos estéticos lançados pela Bauhaus: a forma como corpo das ideias, o design preciso, sem firulas, transbordando para a harmonia dos espaços. A artista, assim, constrói uma mente quieta e estável para os ambientes físicos. Talvez por isso suas obras tenham auras radiantes que se projetam nas paredes. Atentar para o ambiente de criação das obras é ver o processo criativo explodindo. Não interessa só o que o artista expõe, mas como expõe ou como deixa-se expor.
Paula Braga, novembro de 2010
Estela Sokol
Paula Braga
Paula Braga é doutora em filosofia da arte pela FFLCH-USP e mestre em história da arte pela University of Illinois. Organizou o livro Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica (Perspectiva, 2008) e escreve sobre arte contemporânea para revistas como Ramona (Buenos Aires), Arte al Dia International (Miami) e Concinnitas (Rio de Janeiro). Atualmente é pós-doutoranda no Instituto de Artes da UNICAMP.
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