Giovanna Bragaglia
GB Durante o período de formação na FAAP você trabalhou com cenografia. Como você acha que essa experiência contribuiu ou influenciou sua produção naquela época? Pergunto isso pensando principalmente nas obras
Na companhia dos objetos (2008-2009) e
A casa em festa (2009-2010).
FJ Quando realizei a série
Na companhia dos objetos, percebi que o meu procedimento com as fotografias "encenadas”, era também uma organização que me remetia a práticas elaboradas durante o raciocínio de ateliê para a cena teatral.
Naquele momento, o meu interesse era mais focado na parte teórica do que prática, por muito tempo me dediquei a escrever sobre pesquisas de arquitetura teatral e teoria da cenografia.
Acredito que a contribuição tenha vindo dessa dedicação diária que me fez entender intuitivamente a construção de cena e a organização da escolha de objetos utilizados em virtude do enquadramento da câmera fotográfica.
Se hoje você me pede para montar uma cenografia que de fato será utilizada como estrutura "habitável", é bem provável que nada pare de pé, pois o que faço é lidar com as situações abstratas e entendê-las como uma composição que funciona no limite da foto.
GB Em seu ateliê, você comentou bastante a respeito da teatralidade, principalmente no que diz respeito aos diferentes papéis que o ser humano desempenha em seu cotidiano. Não pude deixar de pensar num conto do Machado de Assis, O Espelho, no qual ele diz que cada ser humano possui duas almas - uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro. Obviamente suas referências vão para além do campo das artes. Por favor, fale um pouco sobre elas.
FJ Atualmente tenho pensado sobre o tema da teatralidade inserida na vida cotidiana das pessoas. Recentemente cursando o mestrado, optei por escolher disciplinas que falassem diretamente sobre algumas palavras chaves que estão inclusas na pesquisa.
Para citar alguns assuntos, creio que a análise do teatro e da teatralidade como estrutura cênica específica, em que a principal função torna-se representar diferentes papéis, é bastante importante nesse momento. A arquitetura como o lugar do acontecimento da representação, seja ela representação teatral ou representação real e a sociologia que estuda a representação como também ação coletiva de "sobrevivência", são outros exemplos de pontos que interessam nesse momento.
Para além de uma teoria, minhas grandes referências também estão no próprio cotidiano: a observação dos objetos que chamo de "ficcionais", minhas memória de infância, filmes que procuro assistir que remarcam alguns dos temas abordados, além de minhas relações pessoais diárias, que idealizam e desmistificam a realidade a cada pequena experiência.
GB Você se formou há pouco tempo no curso de Artes na FAAP e já realizou duas residências fora do país, uma em Paris, na Cite Internationale Dês Arts, e outra na Ucrânia, na cidade de Donestk. Sendo lugares tão díspares e diferentes de São Paulo, queria saber como foram essas experiências e vivências para a sua pesquisa?
FJ Acredito que até agora essas tenham sido as experiências mais importantes. Não somente pelo fato de serem lugares distintos, a pensar Paris com suas paisagens de cartões postais ou Donetsk com sua estética exótica.
Digo isso porque em 2010, tive a oportunidade de participar de algumas experiências em São Paulo, que me fizeram enxergar o quanto o excesso de demanda comercial atrelado a falta de experiência haviam tornado bastante frágeis as maneiras como eu lidava com o meu trabalho.
A saída para Paris foi providencial na medida em que rompeu com alguns vínculos: saí da galeria que me representava e não tinha a mesma facilidade dos costumes e entornos. Tudo isso me obrigou a repensar onde eu deveria centralizar meu trabalho e lidar com um tempo longo dedicado a produção sem retornos imediatos, o que trouxe leveza para pensar o trabalho, processo e mais complexidade.
GB Em
Projeto para finais felizes (2013), obra apresentada na Temporada de Projetos do Paço das Artes, você parte de uma profusão de finais felizes tirados de contos de fadas. De fato esse projeto espelha uma relação com a vida contemporânea, em que todos almejam incessantemente a felicidade.
No entanto, sua produção parece alertar para lampejos de angústia, que se manifestam por sutilezas, por vezes irônicas, como nas bexigas murchas, num olhar apático na festa, ou em cenas bizarras ilustradas em contos de fadas. Para você, em breves palavras, o que há de errado com a felicidade?
FJ Na obra que apresento no Paço, procuro coletar finais felizes de livros infantis e estabeleço o objetivo de apagar toda a história e deixar somente o motivo pelo qual o personagem encontrou sua felicidade.
De fato, procurar me aproximar de uma ligação real e cotidiano, que é também uma busca diária e infinita pela felicidade, me possibilita tentar através de uma investigação de arquivos, descobrir quais são os parâmetros que caminham entre uma vida que sempre espera da realidade uma somatória de resultados que surgem como promessa no campo da ficção.
Os acúmulos que repetem a mesma intenção ilusória de tudo acabar bem são contraditórios na sua própria existência, pois parecem elencar motivos concretos e morais que nos alertam para a auto realização e ao mesmo tempo se tornam patéticos quando se anulam numa repetição muda e em excesso.
Em minha opinião, não há nada de erro na ideia de felicidade, se não em sua forte relação de desejo em avançar a frente do que é próprio da realidade. O que faço por meio do trabalho é tentar estabelecer uma relação de observação entre essas duas estruturas, uma voltada para a estética de idealização ficcional de teatralidade da vida cotidiana, e outra que escancara seus ruídos e suas incompletudes. No fim, esses dois espaços estão completamente juntos, potencializando e enfraquecendo o sucesso e o insucesso um do outro.