Ananda Carvalho
[AC] No seu texto
Micro empresa criativa, publicado no
Canal Contemporâneo, você descreve de forma irônica e metafórica o seu processo criativo. Por que relacionar a sua produção com a idéia de empresa?
[RT] Porque acredito que o meu trabalho faz parte de uma sequência
produtiva. A minha matéria-prima é um produto. Eu trabalho esse produto
para que ele avance mais um passo na sua história. Acho que eu não quero
que meus objetos tenham muita autonomia, ou que sejam entendidos de
imediato como obras de arte. Essa autonomia, a meu ver, pressupõe a
utilização da arte como escudo, principalmente quando objetos do
cotidiano formam a base do pensamento da obra.
[AC] Nas referências para o seu trabalho poderíamos incluir Andy Warhol? Em especial o trabalho
200 one dollar bills, considerando também a questão do valor?
[RT] Acho que o uso que eu faço de cédulas verdadeiras e também o
trabalho de recorte inserem o dinheiro em um ambiente mais intimista,
pessoal. Apesar disso, a combinação das imagens desenhadas nas notas
acontece de maneira bem superficial, não me interessa nesse caso a
história de cada representação, ou seja, vejo cabeças, construções,
paisagens, animais etc.; a que se referem? Não sei e não procuro saber,
caso contrário faria outro tipo de trabalho.
[AC] Este ano você participou da Art Basel (principal feira de arte
contemporânea do mundo, em Basileia, na Suíça) em um projeto da Gentil
Carioca. Qual trabalho foi exposto? Poderia pensar um pouco essa
experiência a partir dos conceitos de valor artístico, monetário e
histórico discutidos pelos seus trabalhos expostos no Paço das Artes?
[RT] A Art Basel foi o capítulo final para essa série, que não faço
mais, pois mudei o foco. Foi apresentado um conjunto de 24 peças
utilizando dinheiro. Gosto de pensar que as notas que eu uso tiveram
valor para compra enquanto circulavam, depois passaram a ter valor
numismático, que é maior que o anterior e agora tem valor artístico,
sendo que esse último supera de longe todos os outros.
[AC] Segundo
Moacir dos Anjos, curador da exposição
Retrospectiva de Jac Leirner
que ocorreu em 2011 na Pinacoteca do Estado de São Paulo, a obra dessa
artista “é conhecida pelo interesse que demonstra por tudo que circula
no mundo (mercadorias) e pelo que torna tal circulação possível (o
dinheiro), bem como por problematizar os padrões formais estabelecidos
pelo racionalismo nos movimentos artísticos (arte concreta e
minimalismo)”. A sua exposição no Paço das Artes remete imediatamente ao
trabalho da Jac...
[RT] Eu me interesso mais pelos meios de produção, sou muito ligado ao
fazer, principalmente à manufatura. E também sou movido por banalidades,
não necessariamente eu gosto delas, mas aí eu encontro espaço para
complicar.
[AC] O seu trabalho também discute muito a fotografia através de outras
ferramentas. Eu diria que um dos aspectos a ressaltar seria uma procura
de “analogizar” estratégias digitais. Por exemplo, a série
Uns trocados (exibida no Paço das Artes) chama a atenção pela criação de uma profundidade de campo e a série
Dois tempos (exposta em
Convite à viagem - Rumos Artes Visuais 2011/2013 no Itaú Cultural) explora as ferramentas de foco e velocidade para a composição da imagem através da pintura e de objetos.
[RT] Exato. Eu uso o material fotográfico e tento associar o processo
de produção da fotografia a outros processos. Acho que a fotografia é
por natureza uma interpretação do mundo e eu não tenho uma visão de
mundo muito particular, mas acredito na minha capacidade de construção,
então faço um jogo com a fotografia para produzir meus próprios
resultados. No caso de
Dois tempos, eu devolvo para algum objeto
uma imagem dele próprio para ver se acontece outra imagem, mas eu nem
sempre ganho esse jogo. Alguns trabalhos meus parecem sem propósito
porque o resultado ficou quase no mesmo nível da foto, é difícil
diferenciar.
[AC] Como os trabalhos expostos no Paço das Artes relacionam-se com outros projetos seus?
[RT] Todos fazem parte do mesmo comportamento. Eu me sinto seguro na
incerteza, então aceito muitas variantes porque meu projeto é de
construção em longo prazo. Sei que a minha identidade ainda vai
acontecer, ainda tem muita incoerência pela frente, mas já estou
cercando alguns resultados.