Juliana Monachesi
Percorrer uma sala de museu envolve todo um ritual. Quando a exposição está cheia, as pessoas se enfileiram intuitivamente próximas às paredes para deter-se por não mais que um minuto, em respeito aos demais, diante de cada obra pendurada. Já as peças tridimensionais são foco de uma circulação também muito organizada e silenciosa, com eventuais movimentos dos visitantes de aproximação e afastamento da obra, formando um campo de força cujo núcleo de atração “magnética” é a arte.
O magnetismo da obra e o cerimonial do museu são elementos que a instalação desenvolvida por Patrícia Osseas para a temporada de Projetos do Paço das Artes evoca e questiona. Partindo da disposição modular dos tacos de madeira de que é revestido o piso deste espaço expositivo, a artista construiu um volume de 3,50 x 3,50 x 1,40 metros dentro de uma sala branca que mede 5x5 metros.
Dada a impossibilidade de pisar neste chão elevado, resta ao visitante um espaço de 75cm (o equivalente ao vão de uma porta convencional) para percorrer a sala. A obra força o sentido de peregrinação da sala de museus, apesar desta encontrar-se virtualmente vazia: paredes brancas e piso desocupado, como que esperando pela chegada da obra de arte que vai lhes preencher de sentido.
Desconforto e risco são palavras-chave na poética de Patrícia Osses. Em obras que antecedem a intervenção do Paço e que pertencem à mesma “família” desta última, como “Interiores 1 – Apartamento 54” (2003), a artista também interferiu na arquitetura: no primeiro, elevou o piso de um apartamento de modo a nivelá-lo com o parapeito da janela da sala e, no segundo, utilizou as proporções do azulejo da piscina para criar um pequeno tanque de vidro, cheio de água, que comportava uma pessoa dentro.
O “belvedere” no apartamento visava enfatizar a paisagem que se via da janela, mas também punha em risco quem se dispusesse a subir ali pela ausência de qualquer anteparo entre o observador e o abismo diante dele. A piscina para uma pessoa só, dentro da enorme piscina vazia, emanava sensações dce sufocamento e angústia. Outras estruturas solitárias povoam a trajetória de Patrícia Osses, como “Escada para um homem só” (2002) e “Projeto para homem dormindo: Paço” (2005).
Na presente intervenção, novamente a experiência é solitária. O espaço de uma porta não comporta sem desconforto mais de uma pessoa. A vertigem é acentuada pelo achatamento que vem de cima: o chão está desproporcionalmente próximo do teto. Se a relação espacial, em “Interiores 1”, ocorria de dentro para fora, quase que lançando o espectador pela janela, neste interior concebido para o Paço, a relação se dá de fora para dentro, ensimesmada. A compressão lateral e vertical reforça a característica dos museus de serem voltados para dentro, ensimesmados a sua maneira.
Percorrendo esta sala vazia, o visitante de museu poderá adquirir uma invulgar lucidez sobre o campo de força em jogo dentro deste espaço social.