Michel Zózimo
Vive e trabalha em Porto Alegre. Em 2010 foi contemplado com a bolsa FUNARTE de Estímulo à Produção Crítica em Artes Visuais, no Rio de Janeiro. Em 2012, esteve presente na mostra Rumos Artes Visuais do Itaú Cultural, e realizou residência artística em Barcelona (Espanha), como resultado do Prêmio do Programa de Exposições do CCSP (2010).
Paula Braga
Empreendimentos imobiliários, cartões de visitas, contas, embalagens berrantes, revistas semanais sempre iguais, guia do bairro, disk-pizza. O material gráfico que circula pela vida mediana é desolador. Sempre igual, sempre banal, anuncia-se que está proibido criar novas formas de subjetividade. Parte da produção de Michel Zózimo é lançar panfletos, livros, selos, cartazes, anúncios que libertam possibilidades reprimidas de experiência do mundo. Se eu souber que existe uma menina que quebrou uma taça de vidro e está enfrentando a angústia infantil da culpa, terei acesso a um extrato de mundo que quase não se vê, poderei explorar outra partilha do sensível (1) para além daquela que me é dada como única possibilidade. Daí a criação dos panfletos sobre o que Zózimo chama de “narrativas desinteressantes”, “banalidades do drama nacional”, “manuais para conquistar pequenos mundos” e “postais explorador”.
Os postais fazem parte da série Explorador, fotografias antigas que registram uma descoberta geográfica inédita: vales desconhecidos, cavernas, cachoeiras. Talvez o artista seja um explorador tentando achar novas partilhas do sensível, novas cavernas e vales do mundo fenomênico, que não vivenciamos por ficarmos sempre numa superfície ditada pelo material gráfico banalizador que vem nos dizer o que há para ser desfrutado: é muito pouco. A expansão das possibilidades de exploração do mundo é tarefa para quem vive uma existência estética, posto que estética é a relação com o sensível.
Notícias dessa jornada de investigação de outras formas de experiência do mundo são enviadas em cartões postais trocados entre artista e crítico de arte. Michel enviou-me a fotografia de um meteorito que o explorador encontrou em suas andanças, cientificamente registrado ao lado de uma cadeira, para haver noção de escala. O texto que acompanhava essa fotografia avisa que o explorador está em um lugar que é mais velho que o mundo. Prévio, portanto. Ele está lá onde a possibilidade de criação pulsa como potência, no vazio do que ainda não foi formado. Eu respondo com a fotografia de uma cratera, talvez causada pelo meteorito anterior. Sou crítica de arte, não artista, portanto tento ver as coisas da beirada, sem me jogar no vazio, resistindo a esse terreno perigoso e loucamente sedutor que é o nada, pois se eu desabar ali, não sei se, como o artista, saberei retornar.
É raro um artista que divide suas pesquisas com o crítico, que nos inclui na viagem como parceiro, co-piloto, auxiliar de navegação, que confia que atrás do texto analítico possa haver uma existência estética, um mergulhador, talvez não tão ousado e corajoso quanto o artista, mas certamente descolado do caldo ralo da produção de imagens superficiais do mundo.
Um se joga no vazio e olha de perto a possibilidade de descobrir. O outro aborda a questão com telescópios, sem arriscar ir pessoalmente para o espaço inexplorado, e anota em palavras o que enxerga à distância. Eu sigo não entendendo. Michel segue lendo livros.
(1) Jacques Rancière, A Partilha do Sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental.org; Editora 34, 2005.
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