Guy Amado
Em seu fazer artístico, Renata Lucas parece pensar o espaço como matéria. Centrando seus interesses numa investigação acerca de elementos arquitetônicos, sua funcionalidade e a especificidade de seu contexto, inspira-se nos atributos espaciais de um local para realizar suas peças, em trabalhos que comentam e propõem novas relações com seu entorno.
Partindo de uma percepção totalizada do espaço, por ela tornado campo de ação, Renata opera sobre o mesmo tomando-o não apenas como um local para dispor a obra, mas como matéria-prima de fato, indissociado de sua prática e raciocínio artísticos. Tensiona e torna difusos, neste processo, os limites convencionais entre local reservado para abrigar a obra e o ambiente efetivamente reconfigurado pela intervenção realizada.
A relação de Renata com os materiais que emprega é sempre pautada por um mínimo de artifícios, em soluções que por vezes flertam com a precariedade. Há uma preocupação constante no sentido de se evitar o elemento retórico ou a alusão a qualquer componente de dramaticidade.
Ao expor as eventuais fragilidades e imperfeições dos materiais, as peças evidenciam suas feições cruas, que as afastam de leituras estetizantes e acentuam o aspecto mimético de que são investidas, em sua relação intrínseca com as características do local que habitam.
É o caso de
Falha, trabalho aqui apresentado: uma estrutura de chapas de madeira que se organiza numa trama articulada, estendendo-se sobre o piso do Paço das Artes. Ao ser manipulada, a peça revela outras possibilidades de configuração espacial, tensionando a relação do plano horizontal de que parece emergir com a verticalidade incerta de sua nova conformação, originando camadas que podem ser desdobradas indefinidamente, sugerindo uma compactação simbólica do ambiente.
Transitando entre uma vontade de reordenar as coisas e a qualidade de simplicidade objetiva de suas intervenções, a fatura de Renata desenvolve-se sobre a assimilação de elementos espaciais preexistentes e a possibilidade de promover deslocamentos simbólicos nesses contextos. A artista absorve os limites arquitetônicos e os devolve em soluções que comentam silenciosa e poeticamente uma potencial incoerência dos lugares e funções dos objetos no mundo.