• Dia de festa é véspera de dia de luto (2012), óleo s/ tela de Bruno Vilela
  • Sem título (2011), óleo s/ tela de Bruno Vilela 
  • Fim de festa (2012), pastel seco s/ papel de Bruno Vilela
  • Possessão (2011), óleo s/ tela de Bruno Vilela
  • Sem título (2012), óleo s/ tela de Bruno Vilela
  • Hit the light (2012), óleo s/ tela de Bruno Vilela
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Bruno Vilela

O artista participa de mostras individuais e coletivas no Brasil e no exterior deste 2001. Seus últimos trabalhos individuais foram as obras Ouroborus, exibida na galeria Laura Marciaj (RJ, 2012) e Cabeça de santo, exposta na galeria Mariana Moura (PE, 2011). Participou das mostras coletivas Zona tórrido, no Santander Cultural de Recife (PE, 2012), World Bank Art Program (Washington, EUA, 2011), À sangue frio, na galeria Moura Marsiaj (SP, 2011), entre outras.

Galciani Neves

Nosso tempo reveste-se de antinomias, que apenas aparentemente enquadramos como opostas: corpo e mente, fato e crença, real e fantasia. A razão ocidental, ao aplicar as concepções “esclarecedoras” àquilo que transcende, de caráter inapreensível, ao menos para a nossa vã consciência de mundo, sistematiza e abafa as vozes mais impulsivas, delegando-as a símbolos rasos para que possamos deglutir o surpreendente sem esforço. 

A princípio, como diz Agamben, a tarefa de nomear as coisas é uma fase do conhecimento e deveria ser o momento poético do pensamento. Neste percurso, somos sumariamente freados por dispositivos como a política, a cultura ou algo que o valha, que dificultam os processos de subjetivação de seus partícipes. Eis que surge um “sujeito espectral”. E é preciso burlar os regulamentos, tudo que paralisa os nossos escapes – “profanar”, ou seja, restituir os ditames ao livre uso dos homens.

Bruno Vilela rivaliza com as formas de controle – sejam elas provenientes das visibilidades reproduzidas ou dos textos artificiais, que revelam nossos pactos, nossas condutas, nossas crenças - atentando-se às possibilidades de bordas possíveis à subjetividade, via construção de narrativas. Prepara fugas a essas saturações e regulamentos socializantes. Suas pinturas e desenhos são contrapontos a aprisionamentos imagéticos e conceituais, tentativas de resistências. Agem estilhaçando as compreensões manufaturadas. É recusado todo e qualquer caminho de constituição de sentidos, que seja unilateral. O que lhe interessa é a pluralidade dos destinos que as imagens podem evocar. Todas são verdades e mentiras. 

O artista atua nos esconderijos entre a fluidez e a simultaneidade do tempo, entre a efemeridade da matéria e a rigidez com que se estabelecem os conceitos, entre os arquétipos mundanos e uma mitologia pessoal. Sua poética constitui uma ironia trágica borrando o que o bom senso definiria em categorias assertivas e um mostruário de des-padrões e inconveniências sobre a memória, a paisagem, a religião. Ele disseca os temas, aprofunda-se em embates para a construção da imagem, com o desejo de desautomatizar o reconhecimento simbólico que cerceia nossos estímulos. E assim convida a nos perder em substâncias, paisagens e narrativas insondáveis, ainda alheias. 
 
Tema e processo se entremeiam nas investigações de Bruno sobre as religiões africanas e seus mitos. Trata-se de um vocabulário espiritual afetivamente adquirido, que o artista transforma e aglutina a aspectos íntimos do seu cotidiano, como amigos, familiares, objetos, lugares. Não equaciona uma relação direta e rígida entre esses contextos, como na série de retratos Cabeça de santo (2010). A distinção permanece, não se apaziguam os componentes. Entidades e amigos se envolvem e passam a compactuar como personagens em tramas dotadas de processos ancestrais e não ditos. 

Na série Ouroborus, as inadequações pontuam atmosferas oníricas: objetos de cena e lugares parecem descontextualizados, se estranham: uma cama dourada no meio de uma floresta, um lustre à frente de uma mata, um plano preto desterritorializado em uma paisagem de geleiras. “Arte é contraste”, nas palavras do artista. Quando se presta a espreitar suas memórias, Bruno Vilela traduz o que poderia existir de bucólico em cenas familiares. Há uma tensão nessas composições, nas quais os gestos inacabados de seus personagens parecem flagrar cenas de um crime. Apenas especulações. 

Essas séries podem ser visitadas como a um arquivo de seus lampejos, de seus fracassos, do que recolhe o artista, como se observasse as suas próprias percepções, a ponto de reconfigurá-las tal como sombras, que perseguem e assolam o plausível. Assim, ao invés da experiência de revelação, o artista propõe o desnorteante, a instabilidade. E a autobiografia (uma das camadas), que ronda toda obra de arte, pode ser pesadelo.
 
Dia de festa é véspera de dia de luto é uma tempestade violenta de gestos verticais, autoilusórios, que recobrem o espaço da tela com tonalidades dilacerantes do espaço que promovem. Fabulam uma paisagem misteriosa no espaço expositivo as pinceladas, o pastel seco, a borracha, o carvão - o gesto, que os induz, assim como os desconstrói. Cortam as cenas ou deliberadamente as ocultam em manchas, em descontinuidades, como uma escrita cancelada por uma mão enfurecida, que entrou em ação para distorcer os acontecimentos.
  • Realização: