Daniela Maura Ribeiro
"Muitas vezes me acontecera de topar os olhos por acaso, num espelho, com alguém que estava me vendo naquele mesmo espelho. Eu não me via no espelho e era visto; assim como o outro não se via, mas via meu rosto e se via olhando por mim. Se eu avançasse a ponto de poder me ver no espelho, talvez ainda pudesse ser visto pelo outro, mas eu não, não teria mais podido vê-lo Não se pode ao mesmo tempo ver-se e ver que um outro está nos olhando no mesmo espelho." Luigi Pirandelo. Um, nenhum. cem mil.
O número não é apenas um símbolo no trabalho de Raquel Kogan, mas uma linguagem. Seja por meio da pintura, da gravura, da instalação ou do objeto, a artista discute questões como identidade, lugar, aculturamento ou urbanidade.
Para traçar uma breve trajetória, considerando os últimos oito anos, encontramos o número, como massa ou escrita, nas telas (1996), gravuras (1998) ou nas lâminas para microscópio (2000). Já no projeto interativo Reflexão (2003), o número e o indivíduo são um corpo só: uma seqüência numérica em movimento, gerada por um software, é projetada em toda a extensão de uma parede e refletida num espelho d'água. O visitante se torna mais um suporte, quando a imagem incide no seu corpo e sua sombra se projeta na parede. Em 2004, na instalação Concreto Paulista, o número aparece para quantificar e identificar as 450 caixas de acrílico, contendo pedaços de concreto das ruas em obras de São Paulo.
No Paço das Artes, Raquel apresenta a instalação multimídia Projeção (2002-2004), com a qual irá questionar sobre o lugar do indivíduo, a virtualidade, a ilusão e a temporalidade.
Em uma sala escura, através de um vidro reflexivo, são vistos números e a projeção de um filme no qual pessoas se movimentam. Os números são gerados por um marcador de tempo digital, que fará a contagem do tempo de duração da exposição, desde o seu início.
Ao entrar, o visitante verá sua imagem refletida no vidro e integrada à projeção e aos números. A laminação especial desse vidro, que na presença de luz produz um efeito de reversibilidade, propicia olhar o outro enquanto o outro me olha. Além da visão da própria imagem, fundida ao filme/números, e de notar a presença do outro, o visitante, à medida que for ocupando o espaço da sala, será envolvido por uma trilha sonora interativa: uma mescla de sons, previamente gravados, com aqueles produzidos pelos ruídos do ambiente, em tempo real.
O fato de se reconhecer na imagem projetada e no ambiente sonoro, somado à percepção da cronometragem do tempo (instante em que está ali), permite que o visitante se veja, ou não, como parte da obra. Neste contexto, a interatividade com o espectador é que detona as possibilidades do trabalho da artista de: identificar-se (vidro reflexivo - visão de si, do outro e da projeção - e trilha sonora), localizar-se (na projeção, no espaço expositivo - ambiente virtual e real- e no tempo - contagem do relógio) e posicionar-se (no interstício do espaço ilusório e real criado pela imagem e som).