Cauê Alves
O projeto de André Komatsu é menos uma obra acabada do que um processo que se desenvolve no tempo. Ele não chega a se construir como uma narrativa, já que não há personagens ou acontecimento que se encadeiam em série. Trata-se apenas de dois momentos: o primeiro, o incêndio da estrutura de uma pequena casa construída ao ar livre, e o segundo, o recolhimento das cinzas e a transferência delas para uma caixa entro do espaço expositivo.
O trabalho não forma um sistema fechado em que a mudança de um estado a outro tende sempre à desordem, embora parte da casa incendiada se dissipe em calor e fumaça. A perda de energia, a destruição da estrutura arquitetônica e sua tendência ao esfacelamento são relevantes nesse processo. No entanto, em vez da valorização do declínio ou da aniquilação, interessa ao artista o processo de mudança contínua tanto dos objetos como do espaço. Além de ocupar livremente o exterior do prédio. E depois de transportadas para dentro do Paço das Artes, qualquer deslocamento de ar tende a fazer com que as cinzas continuem a se dispersar.
As premissas especiais do trabalho de Komatsu se distanciam de uma compreesão apenas quantitativa do espaço, como se ele fosse constante, fixo e completamente mensurável por alguma unidade de medida. Ao contrário, sua noção parte de um espaço que em nada se opõe ao tempo. Trata-se justamente de um espaço móvel, qualitativo e dque tende a ser percebido em seu devir. As arquiteturas projetadas pelo artista são sempre inabitáveis ou inacessíveis – não são espaços confortáveis, concebidos segundo proporções ideais a partir da escala do corpo - são lugares apertados, áridos e que, antes de buscarem uma relação harmoniosa com o espectador ou proporem uma participação, são agressivos e avessos ao contato direto.
Em um dos seus vídeos, em que o artista recolhe ruínas e fragmentos de construções pelas ruas da cidade e tenta agregá-los ao seu corpo em mochilas ou bolsos, fica evidente a inadequação entre corpo humano e a matéria bruta da construção civil. Mesmo que em alguns trabalhos ele tente atribuir nova função ao entulho, é clara a oposição entre esses dejetos, os espaços arquitetônicos dos quais eles resultam e sua relação com o corpo.
A inadequação de certas construções em relação ao corpo havia sido formulada pelo artista em uma espécie de guarita inóspita, uma arquitetura de guerra e de controle que Komatsu projetou para sua individual no Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo. Fechado em si mesmo e inacessível, tratava-se de um espaço ameaçador que se camuflava com o branco dos painéis destinados a organizar a mostra.
Entretanto, enquanto nessa experiência a assepsia era uma estratégia de disfarce, aqui, em Tempo= ação/espaço, ela pode ser compreendida de modo inverso. A combustão da madeira não deixa de ser uma maneira de higienização, mas a transposição dos resíduos resultantes desse processo para o espaço expositivo inverte esse processo. O trabalho funciona como um agente contaminador que leva a sujeira do mundo da vida para dentro do asséptico e “neutro” espaço expositivo.
Trabalhando com as relações entre a ação no espaço e sua correspondência com o tempo, Komatsu parece compreender o par construção e desconstrução como inseparável. Antes de criar espaços congelados e determinados por relações fixas, ele lida com o processo de transformação da ruína em edificações e a inevitável ação do tempo que tende a corrompê-las e degenerá-las.