Paula Braga
No aparente caos de peças espalhadas, há nas pinturas de Paulo Nimer Pjota um equilíbrio perfeito. O artista salpica suas telas com elementos minúsculos, distribuindo peso pela superfície. Se cada uma das pequenas imagens pesasse alguns gramas, a grande pintura não tombaria para nenhum lado. É um tabuleiro branco e um artista distribuindo pesinhos que mantêm as peças do jogo no lugar. Quem é o artista? Vejamos. Alguém chega no ateliê, vê a composição começada, as levezas espalhadas, os rabiscos de quem fala ao telefone gastando a tinta da esferográfica, e resolve também participar, deixar uma assinatura. Pjota a incorpora de bom grado, e anexa um decalque comprado no jornaleiro um pouco mais para cá, só para manter tudo boiando no branco, sem transbordar para um dos lados. De fato, Pjota tem um enorme interesse pelo ruído visual. Ele os recebe em sua coleção de signos, como apropriação de um elemento real do mundo.
Ainda que muitos elementos sejam pintados à mão, a obra é como colagem de pedaços do real. Toda obra, pois tudo já existe, como parte. Só o que é possível é rearranjar partes num todo, e criar sentidos inéditos pelo convívio de imagens aparentemente disparatadas e pré-existentes. Qual sentido? O sentido de uma lógica específica de pensamento, uma lógica de categorização, de organização do mundo. Por exemplo, em cada pintura de Pjota há uma lógica de categorização de pesos das imagens. Nessa lógica, o fundo branco mais branco é mais leve que o fundo branco mais bege, então recebe mais imagens minúsculas, para igualar os dois lados da balança.
Antes da composição, há a lógica da coleção de imagens, da qual Pjota pesca alguns espécimes para cada pintura, sem nunca se repetir. Sua coleção abrange compêndios de imagens de aviões, armas, uniformes, símbolos alquímicos, brasões, que Pjota pinta com destreza nos fundos de vários brancos. Algumas imagens, como os símbolos alquímicos, são apresentadas nesses livros como realmente capazes de alterar o real. Claro que são, principalmente quando Pjota as resgata para segurar uma parte da composição. Ao lado do desenho de uma arma, o esquema alquímico gera uma sinapse no pensamento de quem olha a pintura, estabelecendo uma conexão entre dois medos, criação de sentido que não existia antes de o artista manipular partes existentes.
Essas novas conexões entre as coisas não são planejadas a priori. É o processo que determina a pintura final, auxiliado pelas manchas pré-existentes no suporte, que recentemente passou a ser feito com pedaços de placas de metal de carrocerias de caminhão, às vezes misturados com uma tela esticada em chassi, formando uma grade mestiça como base para a pintura. As chapas apresentam pequenos furos que traçam linhas, como numa segunda grade sobreposta à primeira. E por cima de tudo, os ruídos, pequenos, agudos, quase imperceptíveis. Mas com peso, tão valiosos quanto pó de ouro.
A matéria tem seus mistérios de valor. E de decaimento. Sabe-se lá como envelhecerão os decalques, as folhas de papel sulfite, e mesmo a pintura exímia de Pjota sobre placa de metal queimado. O tempo entra como coautor do trabalho, junto dos autores das imagens copiadas dos livros, dos decalques, das assinaturas transgressoras adicionadas à composição. Tudo é pré-existente no tempo. E o tempo é quem vai definir o resto das existências. Daí o artista dizer que seu processo “acontece em primeira e terceira pessoa entre dois estados temporais".
E veja que misterioso: na paisagem real, de repente aparecem algumas cenas que poderiam ser pinturas de Pjota, como as duas fotografias que ele expõe no Paço das Artes. Uma delas é um casebre em Minas Gerais. As paredes são divididas em seções como as placas de metal usadas por Pjota como suporte para a pintura. O tempo vai descascando e deixando ruídos pequenos nas paredes da casa. Na outra fotografia, um açougue chinês exibe as carnes que Pjota estuda nos manuais de anatomia, e uma escrita misteriosa para leitores ocidentais. São coincidências, cujo autor só pode ser o tempo.