Será que vale a pena colocar mais um objeto no mundo? Ainda há algo no mundo que mereça ser pintado? As dúvidas que antecediam cada obra do pintor canadense Philip Guston (1913-1980) também acompanham a produção de Rafael Alonso. O artista carioca parece nunca ter como ponto de partida a tela em branco. Daí o nome da exposição. Espólio é uma herança, um conjunto dos bens que são deixados por alguém ao morrer a ser partilhado no inventário entre os herdeiros ou legatários. É também o nome dado a uma espécie de recompensa do combate, despojos de guerra. Boa parte da produção contemporânea lida com a história da arte como uma espécie de arquivo, que pode ser livremente acessado e apropriado a qualquer momento. Na produção de Rafael Alonso, aquele território aparentemente vazio da tela é, na verdade, tratado como abrigo de toda a história da arte. Ali, nada começa do zero.

Na série inédita em São Paulo de pinturas feitas sobre convites de exposição (2009-2011), as peças gráficas produzidas para divulgação de mostras, colecionadas pelo artista há cerca de 10 anos, são apropriadas sem permissão e usadas como suporte para a pintura. Em cada trabalho, apenas um fragmento da peça inicial é mantido e, na maior parte das vezes, é ele quem norteia as composições finais carregadas de referências à história da arte. Revelam o interesse do artista pela paisagem ou pela geometria. Revelam citações de artistas e movimentos como Mark Rothko, Gordon Matta-Clark, Fabio Miguez e o impressionismo. Revelam, também, o funcionamento do circuito artístico e a produção de imagens de várias gerações: um trabalho é produzido por um artista e é fotografado para que seu registro possa ser usado no site da galeria, no material de divulgação e em peças gráficas, como banners e convites. Essa dinâmica levanta a questão: quanto do orçamento de uma exposição destina-se à produção do trabalho e quanto se destina à sua divulgação?

Já na série Desktops (2009), as paisagens reveladas pela pintura são aquelas possíveis no mundo contemporâneo. Construídas a partir de fitas adesivas, tirando partido de suas cores industrializadas e sua textura lisa e brilhante, são artificiais e ilusórias, como as que encontramos em descansos de tela de computadores. São trabalhos que aproximam a pintura do objeto sem deixar de lado seu caráter virtual, abstrato. São paisagens nas quais não podemos entrar. O verde é tão verde e o azul tão azul, que parecem mais reais do que o mundo em que vivemos. Em Defeito (2011), Alonso revisita sua própria produção. Agora, é a tinta acrílica que tenta se aproximar da fita adesiva. Se antes a fita adesiva buscava se apresentar como a materialização de uma pincelada, agora ela é modelo de sua pintura.

Espólio

Rafael Alonso

  • Detalhe da obra Caminho do meio (2011), de Rafael Alonso (Foto: Divulgação)
  • Detalhe da obra Catarata (2011), de Rafael Alonso (Foto: Divulgação)
  • Detalhe da obra Arca (2009), de Rafael Alonso (Foto: Divulgação)
  • Detalhe da obra Mata (2011), de Rafael Alonso (Foto: Divulgação)
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Fernanda Lopes

Fernanda Lopes é jornalista, pesquisadora e crítica de arte. Curadora Associada de Artes Visuais do Centro Cultural São Paulo (CCSP), é mestre em história e crítica de arte pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Atua na área de artes visuais desde 2000, escrevendo matérias e resenhas para revistas e jornais, realizando pesquisas para livros e exposições, além de assistências de curadoria. Sua tese de mestrado, Éramos o time do Rei, ganhou o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça, da FUNARTE, em 2006, e, em 2009, foi publicada pela Alameda Editorial (SP). Na 29ª Bienal de São Paulo (2010), foi curadora da sala sobre o Grupo Rex.

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