Juliana Monachesi
É difícil elaborar a primeira frase de um texto a respeito da obra de Fabiano Gonper depois de a crítica E. Zofren ter criado a sua: “Escrever no domingo à noite não é fácil, só quando se tem uma arma apontada para sua cabeça” – discorrendo, em seguida, sobre a série
Pinturas variáveis, de Gonper. Em uma quinta-feira chuvosa, com um museu imaginário na cabeça, de repente a escrita dispara.
A segunda frase, em torno da qual há menores expectativas, parece mais exeqüível: a obra de Fabiano Gonper prescinde de um espaço para ser exposta. Ela é seu próprio espaço. Trata-se de um museu ocasionalmente instalado em uma instituição “hospedeira”. O Paço das Artes hospeda, entre março e abril deste ano, o
work in progress Gonper museum, do artista paraibano.
O museu é “exibido” em duas de suas formas possíveis: como projeto e como
site specific. Nos projetos, plotagens sobre papel vegetal, salas virtuais de exibição estão preenchidas de representações das obras do próprio artista. E espectadores, produzidos na mesma escala, observam as pinturas e desenhos nas paredes do museu. A virtualidade e a contingência têm muitas camadas de significação nos trabalhos de Gonper.
O
Gonper museum, como
site specific, é a transposição do projeto de museu para a parede do museu hospedeiro. Um único plano pode ganhar a profundidade de uma sala em U, criando três paredes para exibição de obras. As perspectivas (linhas feitas com filetes de ferro ou adesivo) que engendram espaços no plano têm origem, na produção de Gonper, na série
Dimensionáveis (2001). Ali os espaços ficavam vazios, amplificando o entorno do observador, que via as linhas fugirem para o infinito e caía no abismo da solidão absoluta.
As paredes agora são preenchidas por obras – obras reais. A virtualidade da sala do
Gonper museum project dobra-se sobre si mesma e reverte-se em sala real no
Gonper museum. E, no entanto, o espaço do museu é inacessível. Assim como o são os desenhos que o museu exibe nesta versão para o Paço: da série Desenhos secretos, eles são feitos sobre
voile em grandes dimensões, superfície preenchida por expressões da subjetividade do artista. A vida, escancarada no desenho intimista, fica trancada em pequenas caixas, que deixam entrever apenas detalhes.
A biologia nos ensina que a relação hospedeiro-parasita é de equilíbrio e tolerância mútuos, porque a associação permite que ambos vivam e propaguem a espécie: "Considerando que o parasita não pode existir sem seu hospedeiro, não há vantagens para o parasita destruir esse hospedeiro... Mutualismo ou simbiose devem ser vistos como o resultado evolutivo das associações parasitárias" (W. Trager). "Espécies interdependentes podem sofrer coevolução, minimizando os prejuízos que atingem ambos os elementos associados" (T. Dobzansky).
Assim sendo, o
Gonper museum nada tem a ver com crítica institucional, ao contrário, ele potencializa a instituição que o abriga, propicia uma coevolução: multiplica o espaço, acomoda democraticamente obras que tanto podem ser de autoria do próprio artista como de artistas convidados por ele. A contingência do museu errante torna-se necessidade na configuração que assume no Paço das Artes: nove desenhos escondem segredos em amplas salas de museu que, neste caso, estão fadadas a desaparecer.