Rafael Pagatini

Caxias do Sul/RS, 1985

  • A Família Cristã, 2016
    Exemplares da revista da década de 1960
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Rafael Pagatini

O artista é mestre em poéticas visuais e bacharel em artes plásticas pelo Instituto de Artes da UFRGS. Seu trabalho faz uso principalmente de mídias associadas a linguagens da gravura e fotografia. Sua produção recente se caracteriza pela crítica da sociedade contemporânea, através da investigação das relações entre arte, memória e política. Pagatini é professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo. Realizou exposições individuais e coletivas, tais como Vira Lattes (2016), Conversas com a Paisagem (Galeria Virgílio, 2013), Rumos Itaú Cultural (2013), Em Suspensão (Santander Cultural, 2012). Possui obras em coleções públicas e privadas. Recebeu o Prêmio Energisa Artes Visuais, Bolsa Estímulo a Produção em Artes Visuais (FUNARTE), Bolsa Iberê Camargo - Ateliê de gravura e V Prêmio Açorianos de Artes Plásticas.

Gabriel Bogossian



ENTREVISTA COM RAFAEL PAGATINI

Gabriel Bogossian

G.B: A exposição no Paço das Artes inaugura uma vertente da sua investigação artística que tem a presença muito direta de documentos e da memória social, a partir de um recorte que você produziu do acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Queria te pedir para falar sobre o processo de apropriação desse acervo, levando em conta o caráter mínimo da sua intervenção sobre os documentos, que são basicamente transpostos do papel ou microfilme originais para um novo suporte.

R.P.: No Arquivo Público, a primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato de que, apesar de conter várias categorias, o acervo do DOPS é relativamente pequeno, já que muitos documentos foram queimados. Percebi também a ausência de informação sobre as grandes empresas do estado – CST, Vale, Samarco, Garoto, Araracruz etc. Ao longo da pesquisa, contudo, encontrei diversos anúncios publicados por essas empresas dando boas-vindas aos sucessivos generais-presidentes, desde a vinda do Castello Branco para a inauguração o porto de Tubarão. Bem-vindo, Presidente, por exemplo, surge do desejo de fazer uma catalogação desses anúncios, desconstruindo-os em uma espécie de mural de detetive que apresenta informações até então pouco conhecidas sobre a promiscuidade entre iniciativa privada e governo militar no estado.

Sobre a intervenção técnica, percebi durante a pesquisa que o documento era interessante por si e não vi necessidade de intervir de forma muito direta nele. Me pareceu importante trazê-lo em suportes que evocasse parte da discussão que quero introduzir, sobre as relações com a memória. Por isso, em alguns casos o suporte de destino busca trazer uma leveza, um ver-não-ver que reproduz características do suporte original – o microfilme –, às vezes riscado ou com lacunas. É muito interessante pensar o gesto de investigação sobre esses documentos como um processo artístico e um potente gesto político, já que se trata de pensar na própria história e no objeto de arte como um objeto que simula uma história. O documento é então uma possibilidade de criação, que traz uma relação com a história e a memória pública da cidade.

G.B.: Paira ainda sobre parte da opinião pública no Brasil um desejo de investigação dirigido ao período da ditadura, vocalizado principalmente pelo cinema. Se por um lado esses anos são cruciais para a compreensão dos atores políticos do presente, me parece existir uma espécie de fetichização do tema, como se descobrir a verdade sobre a ditadura e seus arquivos fosse a nossa principal tarefa como sociedade. Como você percebe essa questão, primeiro, e a incorporação desse tema na sua poética? E qual a importância de se relacionar o desenvolvimento de uma poética pessoal a uma reflexão crítica sobre a cultura contemporânea?

R.P.: A importância de discutir a ditadura é perceber o quanto ela está presente hoje, não só em personagens como Bolsonaro, mas em vários aspectos do nosso dia-a-dia e também da arte – se pensarmos na produção conceitual com tons políticos que emergiu no Brasil e na América Latina nos anos 1970. Os discursos sobre o passado estão sempre em jogo, como diz Andreas Huyssen, e legitimam o presente. A fetichização dessa discussão na arte, me parece, está muito associada à investigação da repressão política, da violência contra os corpos e da tortura, mas existem outros aspectos a se investigar.

Pensar a arte contemporânea é pensar sobre um entendimento crítico do mundo. Uma proposta artística que traga questões sobre a realidade e o contexto social tem um impacto enorme sobre o entendimento de mundo, já que a arte é capaz de criar formas de visualidade que afrontam o poder. Criar essa visualidade, essas “máquinas simbólicas” de que Pierre Bourdieu fala, é uma forma de problematizar temas do nosso dia-a-dia sem se fechar na dramatização das questões sociais, como aconteceu com parte da arte moderna brasileira, que apostou em uma espécie de “portinarização” como se essa produção, pelo seu formalismo, conseguisse atender realmente à crítica política. Assim, penso que seja importante que essas investigações históricas sejam apresentadas na arte. Existe, apesar da pouca relevância desse campo, um processo de contaminação contínuo a partir do campo artístico, que faz com que consigamos observar as coisas de outra forma, na potência do micro.
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