Kiki Mazzucchelli
Edilaine Cunha tem desenvolvido um trabalho - pinturas, esculturas, fotografias digitalizadas e instalações - que parte do espaço arquitetônico, comentando-o entretanto, a partir de ambientes íntimos e assim colocando em questão as relações travadas entre o homem e seu habitat. Seus espaços são muitas vezes não-funcionais ou incompletos, parecem evidenciar a impossibilidade da realização de alguns dos fundamentos básicos da arquitetura moderna, como a integração entre o espaço construído e o ambiente natural, interior e exterior, a funcionalidade etc.
Em uma de suas primeiras pinturas (Cortina, 1995) podemos identificar uma janela através da qual enxergamos apenas uma parede, ou um muro; em Corredor Interno II (1996), formado por uma base de madeira sobre a qual foram instalados seis painéis de vidro alinhados que, vistos sob determinado ângulo formam um corredor que não leva a lugar algum, criando uma espécie de espacialidade "inoperante". Evidentemente não se trata, entretanto, de uma discussão essencialmente arquitetônica: a presença humana é sublinhada por um olhar voltado para o sujeito e, dessa forma, levantando questões de outra ordem. Em alguns dos trabalhos o corpo, embora ausente, é imediatamente reconhecido, seja pela própria escala ou pelos objetos cujas formas são alteradas por um uso prolongado, como no caso de Pia (1998), em que um tampo de mármore branco fixado na parede sugere um desgaste provocado pelo corpo do usuário.
Dando continuidade a esse processo, os trabalhos apresentados no Paço das Artes parecem retomar e desdobrar muitas das questões lançadas anteriormente. O túnel instalado na parede é uma operação no plano tridimensional, e nesse sentido está mais próxima do que seria um "espaço virtual" do que de uma representação do espaço. E contudo uma construção travada em seu sistema, não é possível enxergar a saída desse túnel e logo, o que entendemos como um lugar de passagem, é aqui o próprio lugar em que estamos e que não nos oferece uma resposta.
Há ainda duas séries de desenhos criados no computador, em que a apropriação se dá de maneiras diferentes. Na primeira delas, imagens produzidas por um "erro" do computador, sofrem uma pequena intervenção da artista e tornam-se paisagens urbanas: são edifícios de aparência asséptica, ironicamente produzidos pelo acaso.
O segundo grupo é formado por cortes verticais de terrenos, construídos a partir de códigos usados na elaboração de plantas arquitetônicas que revelam estruturas subterrâneas alteradas de maneira a comprometer sua função primeira. Apropriação de signos que servem para representar sistemas racionais, e que no entanto subverte e colapsa seus princípios.
Os trabalhos apontam para a relação entre o homem urbano e um ambiente criado pelo positivismo tecnológico, onde parece existir sempre uma falta, o isolamento no lugar da integração, a falha no lugar da funcionalidade, o que nos faz lembrar que, enfim, o fator humano nem sempre é programático ou obedece à lógica.