Samantha Moreira

Campinas/ Brasil, 1972

  • Ritos de passagem (1997 - 2000)
    desenho com calor sobre papel de fax
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Samantha Moreira

Samantha Moreira atua como artista multimídia desde 1992. Na obra Ritos de passagem, apresentada na Temporada de Projetos, o público produz cópias a partir de um aparelho de fax à disposição no espaço expositivo. São cópias idênticas ao original – mesma imagem, mesmo material, mesma técnica. Atualmente, coordena o Ateliê Aberto, um espaço de investigação e produção de arte e cultura contemporânea em Campinas. 

Carla Zaccagnini

Nas obras que expõe nesta mostra, Samantha Moreira evidencia a existência e a distância entre dois espaços diversos: um dentro do museu, outro fora. Outdoor, os rolos de desenho se sucedem em linhas, um abaixo do outro, abaixo do outro, abaixo do outro, preenchendo a área dimensionada em função da distância e da velocidade com que passam os carros e ônibus por ali ou noutra parte da cidade. 

A eficiência do outdoor publicitário está em encontrar a equação exata que permite embuti-Io da maior quantidade de informação, que possa ser lida com clareza por motoristas e passageiros em veículos de passagem pelo local, à velocidade média com que costumam fazê-lo. Nos desenhos de Samantha, as janelas representadas anteriormente deram lugar a áreas irregularmente preenchidas, resultado do movimento do ferro quente sobre o papel. Movimento que mais repete que representa o fluxo das paisagens, a passar pelas janelas - mais desfiguradas e diáfanas - à medida que aumenta a velocidade dos automóveis e dos ônibus. Imagem única em que se transformam todas as coisas do mundo quando estamos em trânsito. 

Do lado de dentro, um aparelho de fax espera o público a pé. Tendo seu mecanismo alterado, o fax se limita a duas operações: iniciar e interromper a cópia do desenho que o alimenta, segundo as determinações do público, a pé. Se o outdoor trai sua função primordial apresentando desenhos de fluxos informes cuja dimensão e poder de síntese pretendem descontinuar, esse aparelho de fax - que recria sem transferir a mensagem que recebe - realiza uma operação semelhante, gerando outro lapso no circuito de comunicação. Rolos inteiros de papel de fax com desenhos semelhantes aos que vimos lá fora estão à espera. Cada vez que se aperta o botão A inicia-se uma cópia que cessa ao comprimir-se o botão B, o aparelho para e corta o papel, entregando ao público comandante a cópia recém-produzida. Cópia e original são idênticos: as mesmas imagens, o mesmo material, a mesma técnica. Mais iguais ao original do que ele mesmo, com o tempo, as cópias estão sempre um passo atrás no desgaste que os dias conferem ao papel de fax. E durarão tantos dias mais, antes de serem realizadas. Um pedaço do desenho primeiro, feito a ferro, de igual tamanho ao da reprodução realizada, muda de lado [do ainda não copiado passa ao já copiado, contando, em ritmo de ampulheta, a passagem daqueles que apertam botões. 

A possibilidade de realização de uma cópia idêntica ao original, para isso mesmo exposto [assim como a presença do objeto referencial exposto ao lado dos registros fotográficos], evidencia um movimento circular de contínuas inversões. O original serve à execução de cópias mecânicas exatas, cujo tempo de vida supera o do primeiro [o primeiro referencial externo se torna obra equivalente à foto a que deu origem]. Essa cadeia de relações entre as engrenagens de que se compõe a sintaxe das práticas artísticas atua num circuito fechado de comunicação e linguagem. E não por acaso, o outdoor em que não se decifram mensagens ou o aparelho de fax que não as envia [e os quadros negros esvaziados e à espera], evidenciam as lacunas e os lapsos dos nossos sistemas de comunicação. 
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