Fernanda Rappa

São Paulo/Brasil, 1981

  • Fähigkeiten, trabalho de Fernanda Rappa
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Fernanda Rappa

Formada em fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design (SP), Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (SP) e Artes Plásticas pela Central Saint Martins (Londres). Desde 2009 já realizou 19 exposições individuais em Londres, São Paulo, Belém, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

Fernando Oliva

Fernando Oliva entrevista a artista Fernanda Rappa

FO
Uma das preocupações centrais da sua produção parece ser a relação do homem e a cultura, de um lado, com a natureza, de outro. Um distanciamento cada vez maior entre eles. Esse afastamento passaria, em grande medida, por uma domesticação da natureza, naquilo que ela tem de incontrolável e muitas vezes selvagem. Isso me parece mais evidente na série Fähigkeiten. Você concorda? Por favor, poderia comentar, se possível citando outros trabalhos seus que passem pela questão?

FR Acho que em todas as séries essa questão está na minha cabeça, talvez na Fähigkeiten fica mais evidente o controle e a domesticação porque existe uma repetição da constatação.
Na exposição Controle essa domesticação era apresentada nos detalhes e de forma mais simbólica.
Um exemplo é a foto da ovelha que se funde ao mato. A fotografia foi feita numa ilha na qual os dois foram inseridos pelo homem. Com o tempo as duas espécies se adaptam e encontram maneiras de sobreviver e parece que procuram fugir ao olho do predador. Aparece também a imagem de um caminhão carregado de plantas numa rua em que as árvores estão desfolhadas. Um retrato irônico da posse da natureza. Algo que para mim é muito conflitante.
Já no vídeo Olhos de boi, no qual eu apareço dissecando olhos, como numa produção em massa, aponto para o comportamento humano de descobrir, invadir e transformar em produto recursos naturais apenas para satisfazer o modo de vida do homem. Essa é uma prática comum na escola em que estudei. A experiência de abrir um olho acontece normalmente na 7ª série, quando se aprende física e o funcionamento do olho humano.
Numa outra série produzida na Alemanha, retrato casas de caça e cabeças humanas, com a idéia de mostrar como uma vantagem competitiva – a descoberta e utilização de ferramentas – nos fizeram evoluir e conquistar o planeta. Quando coloco as cabeças ao lado das casinhas volto à questão do ser humano animal, que naquele momento em que a caça acontece volta ao jogo presa-predador, uma situação que ocorre no mundo natural todos os dias.

FO Olhando as imagens do seu portfólio fiquei curioso para lhe perguntar de que modo você vê o uso da fotografia na tentativa de dar conta destes "temas"? Parece-me que as imagens reforçam um certo distanciamento em relação aos objetos observados, o que na minha opinião é bastante produtivo para o conjunto, pois despersonaliza, esvazia de subjetividade e de narrativas, voltando o foco de atenção para as imagens mesmas, sua materialidade, seus pontos de contato com o real.

FR Eu vejo a fotografia como um meio poderoso porque sintetiza ideias em símbolos. Além disso, porque estamos na era da imagem, a fotografia ocupa hoje um lugar que nunca ocupou antes. Eu entendo que a minha fotografia é distante do objeto fotografado porque me sinto sempre olhando pelo microscópio. Analítica. Sou uma colecionadora de fatos e as fotografias funcionam como um mapa das idéias que investigo. Mas ultimamente, quando quero reforçar o embasamento científico dos projetos, tenho pensado a fotografia aliada ao texto.
Acho que há uma certa artificialidade (intencional, assumida) na modo como os jardins são representados. Eles parecem se apresentar como espaços construídos, ficcionais, de algum modo distante da “realidade”. Claro que esta impressão fica reforçada pelo fato de eu conhecer pouco deste universo a que a série se refere.
Esses jardins são lúdicos, assustadores, curiosos e muito artificiais ao mesmo tempo. Eles são de fato uma projeção do lugar perfeito na imaginação de seus donos. As pessoas passam horas e horas do dia (muitos dos donos são desempregados, aposentados ou jovens famílias) se dedicando àquele pedaço de terra. Eu tenho visitado esses lugares desde a primeira vez que pisei na Alemanha, em 2009. Mas demorei para chegar no momento ideal de luz, enquadramento e época do ano. Pois eles mudam de cor e intensidade durante as estações. A maioria das fotos foi tirada no comecinho do outono ou comecinho do verão, quando os jardins estão num estágio de dormência. Meio abandonados, mas ainda assim mostram essas características de dominação, organização e controle da natureza. Só que meio decadente.

FO Neste sentido, há ainda algo que remete a uma possibilidade de teatralização. Acho que podem ser visto como cenários, um lugar à espera de ser ativado por narrativas ou encenações. Você já pensou nestas fotografias como espaços à disposição, para o uso, para serem ocupados com narrativas imprevistas?

FR Eu não pensei em teatralização, porque para mim os objetos que compõem a cena já estão teatralizando. A ideia de fazer duas ampliações bem grandes foi a de também perceber esses detalhes que são riquíssimos e contam uma história. Gostaria que você falasse um pouco mais sobre o seu objeto de pesquisa nesta série. De que modo os Fähigkeiten resumem o modo alemão de estar no mundo? 

Eu percebo neles algo muito próprio desta sociedade e sua cultura, um lugar de experiências compartilhadas, no entanto sujeito a muitas regras de uso e convívio. O nome do projeto, Fähigkeiten, significa, em tradução livre, uma competência extraordinária. O objeto de estudo da série é essa relação entre homem e natureza controlada, num espaço pequeno que compõe uma célula de um mapa de jardins. É uma pequena mostra do poder do homem em relação ao meio e seu desejo de “ser o criador”.
Claro que eu poderia fazer um trabalho sobre a Monsanto e o controle das sementes modificadas ou os macacos que acabaram de nascer que foram totalmente montados, com cinco DNAs diferentes, mas eu acho que tudo isso também se mostra nas pequenas coisas, porque fazem parte da NATUREZA HUMANA. Uma combinação genética que rege o cérebro humano para que ele sobreviva, reproduza e evolua como espécie na Terra. Se o homem conseguir controlar ao máximo o seu ambiente, ele vai sobreviver. Só que isso ficou meio exagerado com a tecnologia.
Ou seja, uma competência extraordinária de evolução, que nenhuma outra espécie conseguiu. Só que é irônico, porque tudo isso vai custar caro tanto para os humanos como para o resto. A natureza não está preparada para se adaptar tão rapidamente às mudanças provocadas pelos homens. As interações entre as espécies duram milhões de anos para chegarem a um equilíbrio de convívio. Nós estamos mudando o mundo em poucos séculos.

FO Estaríamos diante de mais um exemplo de "autonomia controlada", assim como em uma escola que ensina práticas artísticas, mas na qual as crianças são conduzidas a fazer trabalhos idênticos entre si, e a noção de expressão é de algum modo reprimida? Até que ponto se pode de fato participar e intervir nestes jardins?

FR No meu ponto de vista, tudo na Alemanha é uma autonomia controlada. Os caras desenvolveram um modo de viver em sociedade que se baseia no respeito e controle mútuo. As pessoas se fiscalizam para que as coisas funcionem. Os jardins talvez só funcionem ainda porque possuem regras super rígidas. Dentro da edificação que compõe o jardim é proibido, por exemplo, possuir livros que não sejam referentes à jardinagem e cultivo.

FO Você fala em "ecossistema simplificado". Poderia desenvolver esta ideia? O que te interessa nesta noção particularmente? Para mim é curioso que a câmera pareça uma intrusa, algo que observa, descreve, mas não interfere neste objeto.

FR Os ecossistemas simplificados são realmente os pequenos espaços do jardim, que foram construídos e escolhidos por um ser específico. Nesses jardins, há por exemplo um pequeno lago, que foi construído porque o dono queria TER um lago. Então ele fez um lago para ele. Só que em miniatura. E para isso ele usa a tecnologia e todos os equipamentos confeccionados para que alguém possa TER um lago. É a natureza como objeto de consumo. A natureza entra para o sistema do capitalismo e da posse. O dono do jardim e do lago mais uma vez tenta brincar de ser “Deus”. Naquele pequeno espaço, ele é o CRIADOR. Ele mistura as espécies que quiser, algo que numa situação natural nunca aconteceria, por exemplo. E são muitos pequenos criadores, um do lado do outro. Com a competência alemã. Por isso são fascinantes. 
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