Pedro Varela

Niterói/RJ, 1981

  • Série Cidade flutuante (2010)
    desenho e instalação
  • Série Cidade flutuante (2010)
    desenho e instalação
  • Vista parcial da exposição 
  • Série Cidade flutuante (2010)
    desenho e instalação
  • Série Cidade flutuante (2010)
    desenho e instalação
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Pedro Varela

Pedro Varela nasceu em 1981 em Niterói (RJ). Graduou-se em gravura pela Escola de Belas Artes da UFRJ em 2005 e frequentou cursos livres no Parque Lage e nos festivais de inverno da UFMG entre os anos 2001 e 2005. Desenvolve desde 2005 uma série de trabalhos chamada Paisagem flutuantes, em que usa materiais simples como canetas esferográficas e hidrocor sobre papel de arroz, papel cortado, vinil auto-aderente e alguns materiais mais tradicionais, para construir cidades e outras paisagens utópicas imersas em uma atmosfera de fábula e silêncio. Participou de exposições no Brasil e no exterior, destacando-se Mirante, na galeria A Gentil Carioca (RJ, 2006), A Gentil Carioca, na galeria Daniel Reich (Nova York, 2006), Novas Aquisições, no MAM-RJ (RJ, 2007), Paper Trail, na galeria Allsopp Contemporary (Londres, 2008), e Pontos de Encontro, no ECCO Brasília (DF, 2009). Em 2010, fará uma exposição individual na galeria Enrique Guerrero (México) e participará da coletiva Gigante por la própria naturaleza no IVAM (Valência).

Fernanda Albuquerque

Embora habitem terras tão distantes quanto areia e papel, as cidades construídas por Pedro Varela em seus trabalhos são como desdobramentos de uma só. Atrevo-me a chamá-la Varela, em referência aos lugares narrados por Marco Polo ao conquistador mongol Kublai Khan em As cidades invisíveis, de Italo Calvino.

Se visitada pelo famoso viajante veneziano, Varela chamaria a atenção por suas distintas conformações. O desenho das ruas, a arquitetura das casas, a invenção dos edifícios, a matéria das coisas, as cores, as montanhas, os jardins, os canais são outros a cada investida. É como se a cidade brotasse diferente sempre que intuíssemos conquistá-la. E, com viço de erva daninha em paisagem tropical, crescesse e transbordasse em outras.

Pra dentro e pra fora.

Varela é daquelas cidades que comporta muitas versões de si mesma. Ensaios ou esboços de um projeto que nunca chega a se concluir. Como Tecla, que se constrói continuamente à imagem do céu, ou Valdrada, que se reflete igualzinha no lago, ainda que assimétrica, Varela é todos os seus espelhos e desdobramentos.

Lugar sem bordas feito de bordas.

Varela não possui habitantes – e esse talvez seja seu maior mistério. Varela é viva em si. Em suas formas e em seus vazios. Naquilo que é e naquilo que pode ser. Varela é viva nas suas minúcias, na sua delicadeza. Nas suas histórias, nos seus caminhos, na sua vertigem. No modo como se faz e refaz constantemente. Na sua suspensão, na sua suspeição.

Varela é viva no olhar.

Nas linhas que reinventam a cidade vista do mar pela janela da barca. Nas dobras. Nos recortes que fazem entrever paisagens. Nos traços e colagens que conformam becos, vielas, pontes, palácios, telhados, janelas, praças, estradas... Na areia que se compacta.

Varela não foi conquistada por Kublai Khan, nem descrita por Marco Polo. Mas como Zora, Marósia, Tecla, Irene, Fílide ou Valdrada, alguns dos lugares narrados pelo viajante, mostra-se cidade para falar de cidades. Das coisas que as povoam e são por elas povoadas. Desse emaranhado que é ver e compartilhar vazios e paisagens.

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Sobre caminhos, labirintos e conexões, por Fernanda Albuquerque

Na entrevista a seguir, Pedro Varela fala do caminho percorrido até chegar às suas cidades, dos artistas para quem vem olhando nesse trajeto, de labirintos, conexões com o mundo real, fábulas, coleções e da ideia de que seu trabalho não cresce em linha reta, mas esparrama-se ao modo de suas paisagens.

Como você começou a trabalhar com cidades?

Foi um processo gradual. Em 2005, trabalhava numa série de aquarelas que apresentavam um emaranhado de signos: formas geométricas, manchas, linhas, imagens apropriadas de fotografias e livros de arte, enfim, toda referência visual que pudesse usar. Apesar da aparência abstrata, aos poucos comecei a entender esses trabalhos como paisagens, pois de certa maneira eles falavam de como eu percebia meu entorno. Cada signo, imagem ou forma funcionava como um link, uma janela para um novo assunto. Na época, pensava muito na nossa percepção do mundo contemporâneo, abarrotado de imagens. Ao transitarmos por diferentes redes sociais e absorvermos todo tipo de informação, nosso olhar já não comporta uma única janela, perspectiva. Aos poucos, nessa mesma série, foram aparecendo espaços vazios, o branco do papel, e isso aproximava cada vez mais esses trabalhos de paisagens, principalmente as chinesas e japonesas orientadas pelo budismo. Quando tomei consciência disso, resolvi investigar mais a fundo tanto a ideia de paisagem, quanto esse vazio, esse silêncio do branco do papel. Propus a mim mesmo resolver essa mistura de signos e referências usando imagens de arquitetura. Além disso, deixei que os espaços em branco ganhassem uma dimensão simbólica e não apenas formal. Comecei então a desenvolver a série de “paisagens flutuantes”. No início, usava apenas caneta esferográfica e de gel sobre papel de arroz, produzindo desenhos perdidos no vazio do papel, que apresentavam a mesma mistura de referências dos trabalhos anteriores. Cada prédio ou conjunto de edificações estava orientado de acordo com uma perspectiva própria. Além disso, buscava criar um jogo poético entre ilusão de volume e planaridade.

Para quem você olhava nessa época, quando passou a direcionar mais sua pesquisa? Algum artista ou referência do cinema, música, literatura em especial?

Meus pais são professores da Escola de Belas Artes da UFRJ, minha mãe de pintura e meu pai de gravura, então sempre acompanhei de perto a produção deles. Além disso, tinha muito material à disposição, muitos livros que eu folheava de vez em quando. Aos poucos, fui buscando novas referências e criei uma pasta no computador com imagens de trabalhos de artistas contemporâneos que encontrava em sites de museus, publicações de arte e galerias. Cheguei a ter quase cinco mil imagens. Também fui buscando referências fora das artes visuais. Cidades Invisíveis, do Ítalo Calvino, foi super importante, mas só entrei em contato com o livro depois de começar a desenvolver as paisagens flutuantes. Jorge Luis Borges é outra referência fundamental. Hoje tenho visto muita coisa de arquitetura. Gosto do Archigram, dos desenhos arquitetônicos do Ettore Sottsass, da Zaha Hadid, do Rem Koolhaas e de tantos outros. Acho muito legal essa vontade de pensar as "mega estruturas", de investigar possibilidades diferentes de espaço urbano, construir modelos alternativos de organização social e espacial.

Os labirintos do Borges também podem ser uma chave de leitura interessante para pensar os teus trabalhos...

Sim, gosto muito do Borges. É um dos meus escritores preferidos. Acho que a noção de labirinto está muito presente no meu trabalho. Talvez o vazio dos desenhos seja uma espécie de labirinto, assim como o jogo de perspectivas trucadas. Também a ideia do Aleph, de um ponto a partir do qual se pode abarcar tudo que acontece no mundo, está bastante presente.

A proposição de um urbanismo fantasioso a partir de referências da arquitetura e dos quadrinhos também me levam ao Archigram, mas ali existia a vontade de por à prova projetos de cidade, de refletir sobre a Londres dos anos 1960 e a rápida transformação que a cidade sofria. Já nos seus trabalhos, não percebo essa alusão mais concreta ao mundo real, isto é, a questões sociais, políticas e econômicas que perpassam e conformam as cidades de hoje. Ainda que suas cidades sejam sempre feitas de um mesmo material, ou seja, a partir de uma mesma massa informe, que, no caso das cidades reais, seria formada pelos habitantes – exatamente aquilo que «falta» nas Varelas... Talvez por aí consiga pensar numa relação com o mundo real. Para você, essa conexão ou alusão ao mundo real existe? Como ela se dá?

Acho que existe, sim, uma conexão com as cidades reais, mas ao mesmo tempo há uma vontade de criar um mundo de fantasia, de trabalhar com alegorias, fábulas, narrativas. Penso às vezes que estou contando histórias. Uma possível relação com o mundo real é que minhas cidades imaginárias tentam, em muitos aspectos, ser o oposto das urbes contemporâneas, das grandes megalópoles. Em vez de cheias, são vazias; no lugar do cinza do concreto, possuem cores; ao invés do reto, as curvas e os barroquismos; o silêncio substitui o barulho do trânsito e o burburinho; e a separação entre diferentes culturas e classes sociais dá lugar a um jogo de perspectivas truncadas e referências miscigenadas. São cidades domadas, mansas.

Assim como um jardim seria uma alegoria da natureza domesticada, quero que minhas cidades sejam alegorias de urbes domesticadas. Atualmente, estou trabalhando num projeto chamado Arquitetura Camelô, que traz entradas mais efetivas na arquitetura, no espaço da cidade. Nele, a vontade de repensar os espaços urbanos (de forma utópica ou efetiva) está mais presente, mas sem que o trabalho perca o dado da fábula.

Fiquei pensando que a noção de coleção, que está na origem da sua pesquisa, também diz do seu trabalho, que não deixa de se constituir como uma coleção de cidades.

Faz sentido, mas para mim essa é uma ideia muito recente. Hoje percebo que a necessidade de contar histórias e criar diferentes situações dentro das cidades me impele a utilizar materiais variados, como areia, vinil adesivo e desenho sobre vidro, para citar alguns exemplos. Também penso muito em formas diversas de ocupar o espaço e organizar essas cidades. Com o tempo, é natural que elas se transformem numa coleção de possibilidades, de diferentes narrativas e fábulas. Mas como disse, é algo que só pode ser percebido recentemente. O processo de colecionar cidades leva tempo até ganhar forma.

Pensando nas diferentes cidades que compõem essa coleção (cidade desenho, cidade colagem, cidade de papel, cidade de vidro, cidade de areia...), o que elas têm em comum e o que apresentam de particularidade?

Gosto de pensar que meu trabalho não cresce em linha reta. Prefiro imaginar que está se esparramando ou criando novos tentáculos com diferentes possibilidades, metáforas, narrativas. Cada série de cidades tem características muito específicas, relacionadas diretamente às possibilidades materiais e poéticas que cada elemento oferece. A cidade de areia tem uma fragilidade que só a areia da praia poderia apresentar. A cidade de papel tem um branco fantasmagórico e uma dimensão de maquete que são o oposto das cidades que desenvolvo com colagem em vinil adesivo colorido sobre parede. As cidades desenhadas sobre vidro procuram um diálogo com o mundo real através da sobreposição de mundos distintos. E as cidades desenhadas com caneta bic sobre papel de arroz parecem se distanciar da dureza do mundo real. Ao mesmo tempo, todas apresentam espaços urbanos idealizados, que estão no limite entre utopia e fantasia, entre o que está finalizado e o que é esboço.

Essa ideia de que o trabalho não cresceria em linha reta, mas esparramandose tem a ver com o que escrevi em As cidades e o emaranhado. Com a ideia de que as cidades que você cria, na realidade, são uma só nas suas potenciais e infinitas conformações.

Sim, tudo a ver. Apesar de o trabalho se constituir por meio dessa profusão de cidades, elas são sempre uma só. Por mais distintas que possam parecer formal ou materialmente, talvez sejam fruto da mesma motivação: a vontade de construir um lugar entre a utopia e a fantasia, entre a possibilidade de transformação da realidade e a vontade de criar mundos distantes, que refletem ansiedades e desejos pessoais.

Para finalizar, você consegue projetar o seu trabalho para além das cidades que vem construindo? Mesmo que essa pesquisa ainda tenha muito chão pela frente... Às vezes não bate o medo da repetição ou do esgotamento dessa investigação?

Sempre tenho medo da repetição, de falar mais do mesmo. Mas ao mesmo tempo, estou num momento de entender melhor o que tenho feito e vejo que ainda tenho alguns projetos para desenvolver dentro do assunto da paisagem. Gosto de pensar que meu trabalho acontece na exposição, na articulação de conceitos específicos dentro de uma proposta de ocupação do espaço. Ultimamente, tenho refletido muito sobre duas possibilidades distintas de desenvolvimento das Varelas. Possibilidades que de alguma maneira se complementam e agregam sentido aos trabalhos anteriores. A primeira é adentrar de forma mais efetiva no espaço urbano, produzindo trabalhos que tenham uma dimensão arquitetônica e que façam parte da cidade. Tenho pensado em uma arquitetura rizomática e flexível, sem uma função pré-determinada. A segunda seria entrar um pouco mais no universo da pintura, explorando propriedades desse meio. Gosto de imaginar que a pintura é um romance, enquanto o desenho é um conto. Mas penso, sim, em um futuro para além das Varelas. Cada vez mais percebo que meu trabalho está menos no ato de construir cidades e mais no que as cidades podem dizer.

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