Luiz Hermano

Preaoca/CE, 1954.

  • Noite (2001)
    plástico e aço
  • Carro Moto (1987)
    acrílica s/ cerâmica
  • Nave Estrela (1987)
    acrílica s/ cerâmica
  • X (2001)
    acrílico e cobre
  • Nave (1987)
    acrílica s/ cerâmica
  • Carro Tanque (s/d)
    acrílica s/ cerâmica
  • Pirâmide (1999)
    plástico e cobre
  • Navio (1987)
    acrílica s/ cerâmica
  • Nave Disco (1987)
    acrílica s/ cerâmica
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Luiz Hermano

A produção de Luiz Hermano traz uma abordagem lúdica sobre a cultura visual do Ceará, onde viveu sua infância. Isso pode ser visto nas esculturas Cidade aß, que traz um cenário urbano construído com gabaritos e cobre; Noite, feita com dominós; e Pirâmide, formada por centenas de bonequinhos de plástico. Na Temporada de Projetos, apresentou sua produção artística compreendida entre 1987 e 2001. Realizou a exposição individual Templo do corpo, em 2008, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, e, em 2009, participou da Bienal do Vento Sul, em Curitiba. 

Maria Alice Milliet

Luiz Hermano teima manso. Sua obra decorre de um fazer nunca agressivo, porém, resistente a seu modo. Nem mesmo a grandiosidade que alcança em algumas de suas esculturas provém do enfrentamento decisivo com a matéria. Buscasse um enaltecimento da ação impositiva do artista e seu meio de expressão seria outro. Mas não. Faz da paciente reiteração do gesto seu jeito de construir. Suas peças são precárias, de uma precariedade que deriva dos materiais e do processo de construção que utiliza. Se trabalha a madeira, é laminada em tiras. Se usa o metal, são fios, arames, cabos, fitas, aparas de latão, de cobre, de alumínio ou de aço. Vale-se da maleabilidade e da segmentação desses materiais para armar a trama, estrutura essencial à maioria de seus trabalhos. Essa malha, ao mesmo tempo suporte e forma, se avoluma no espaço e ao espandir-se perde em rigor o que ganha em organicidade. Nenhuma violência, nenhuma dureza. Alguma persistência e muita fantasia são qualidades dessa prática.

Para melhor compreender tal procedimento, pode-se tomar como contraponto a criação de Amilcar de Castro. Enquanto o mestre de Belo Horizonte reduz a gênese de sua escultura em ferro a duas operações radicais, a saber, corte e dobra, Luiz Hermano tem no manuseio continuado o princípio de sua produção escultórica. No primeiro caso, a obra surge de atos isolados e momentos irrepetíveis; no segundo, ela ganha corpo na medida em que a atividade progride. Potência do gesto versus atividade persistente; rigidez versus flexibilidade; espaço cartesiano versus espaço topológico: seriam essas as oposições não houvesse o artista mais jovem incorporado o que já é tradição construtiva, logo moderna, e entrelaçado esse conhecimento a outros, menos eruditos. A formalização própria do construtivismo aparece desconstruída nas peças que tem no quadrado sua base de ordenação. Há também algo da serialidade construtiva no uso de formas sequenciadas que, entretanto, fogem à uniformidade da repetição mecânica porque geradas pelo trabalho manual. A subversão da racionalidade construtiva pela organicidade da fatura manual constitui nota dominante no corpus de obras tridimensionais cuja formação tem ocupado o artista há já alguns anos.

Do hibridismo entre o artesanal e o industrial surge uma obra bem sintonizada com a condição brasileira atual. Seu mérito está em não escamotear a transitoriedade que caracteriza nossa sociedade, feita quase sempre da sobreposição de culturas e técnicas e raramente de sua superação. Sem ignorar os esforços de modernização (tarefa da vanguarda construtiva) e os avanços em direção ao pós moderno (especialmente os empreendidos por Lygia Clark e Hélio Oiticica a partir do neoconcretismo), Hermano não descarta o modo de produção pré-industrial, ao contrário, o adapta. Sem conservadorismo, apropria-se do industrializado - desde materiais processados industrialmente (laminados, trefilados, etc.) até produtos de consumo de massa (ralos, parafusos, arruelas, descartes industriais e pequenos objetos de plástico) - para criar formas vazadas, enredadas no espaço.

O que apresenta nessa exposição tem uma forte conexão com o imaginário do artista quando jovem, um universo de memórias em que o visual suplanta o narrativo sem entretanto exclui-lo. Os objetos mais antigos desse conjunto são feitos em barro pintado. Menino criado no interior do Ceará, Luiz Hermano certamente viu em feiras os bonecos e animais de barro típicos do artesanato regional. Com a mesma técnica singela fez navios, carros de corrida, naves espaciais que pintou com cores intensas. Com material escolar de baixa qualidade tal como esquadros e gabaritos ergue torres e constrói objetos em relevo. Centenas de bonequinhos de plástico, mãos e pés interligados, deixam de ser os super heróis da ficção científica para se converterem em células de uma cadeia que parece poder expandir-se ao infinito. Um painel formado por peças de dominó sugere um construtivismo barato; trouxinhas de arame contendo pequenos gadgets assemelham-se a brindes, mostruários ou amuletos. Na parede uma fita metálica desenha o perfil de uma bailarina enquanto no chão estende-se um tapete metálico que mais parece uma gosma que solidificou. Nessa fantasia pop/popular reina uma figura sentada, misto de Teddy Bear gigante desses que se vende nas calçadas de São Paulo e de grande figura ritual. Há uma resistência em tudo isso, a de conservar o lúdico sem perder a lucidez.

* Luiz Hermano foi artista convidado para a Temporada de Projetos 2001
  • Realização: