Luísa Horta e Ricardo Burgarelli

Belo Horizonte/Brasil

  • Luísa Horta e Ricardo Burgarelli
    Inferno verde, 2015
  • Luísa Horta e Ricardo Burgarelli
    Inferno verde, 2015
    (Créditos: Letícia Godoy)
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    Inferno verde, 2015
    (Créditos: Letícia Godoy)
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    Inferno verde, 2015
    (Créditos: Letícia Godoy)
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    Inferno verde, 2015
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    Inferno verde, 2015
    (Créditos: Letícia Godoy)
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Luísa Horta e Ricardo Burgarelli

Artistas visuais graduados na Escola de Belas Artes da UFMG, Luísa e Ricardo trabalham juntos há 4 anos. A dupla recebeu o prêmio Honra ao Mérito Arte e Patrimônio 2013 pelo Paço Imperial/Iphan (RJ), com o projeto inferno verde, uma pesquisa artística articulada a partir da construção de registros relativos à Colônia Penal de Clevelândia do Norte - campo de trabalho forçado instalado pelo Estado brasileiro na região do Oiapoque (AP), nos anos 1920. 

Rejane Cintrão



Rejane Cintrão

Rejane Cintrão entrevista Luísa Horta e Ricardo Burgarelli

R: Qual a historia de Inferno Verde?

Artistas: Inferno verde é uma pesquisa artística articulada a partir da construção de registros relativos à Colônia Penal de Clevelândia do Norte - campo de trabalho forçado instalado na região do Oiapoque (AP) na ocasião do regime de exceção instaurado pelo presidente brasileiro Arthur Bernardes (1922-1926). O estado de sítio foi instituído pelo Estado em resposta à ascensão dos movimentos revolucionários, deflagração de greves gerais, revoltas e insurgências ocorridas no período. De 1924 à 1926, Clevelândia do Norte foi o local para onde foram desterrados os diversificados presos políticos e comuns da época.

Localizada no extremo norte do Amapá, às margens do rio Oiapoque, a colônia penal foi instituída no local onde já existia o Núcleo Colonial Cleveland. Esse era um núcleo agrícola criado pelo Governo Federal no começo dos anos 1920, no qual diversos retirantes do nordeste brasileiro foram estimulados pelo Estado a construírem e residirem no local. Em menos de 5 anos, a região que era marcada por disputas e confrontos bélicos fronteiriços com a França, foi, de uma pequena vila baseada em plantações de mandioca para uma colônia penal com quase 2 mil habitantes.

Atualmente está instalado em Clevelândia do Norte o Comando Especial de Treinamento na Selva. No entanto, coabitam com os militares, as famílias e descendentes dos civis que trabalharam tanto na colônia agrícola como na colônia penal.

Após uma pesquisa de campo na região do Oiapoque, o material de arquivo, previamente trabalhado, se juntou aos registros, impressões, gravações, experiências e diálogos realizados na região.

R: Como surgiu Clevelândia no trabalho de vocês?

Artistas: Antes do Inferno Verde, realizamos a instalação Guerra dos Perdidos, que é um arquivo que rememora guerras, conflitos e insurgências regionais brasileiras ocorridas na primeiras décadas do século XX através da associação de motivos reais e imaginários. Na pesquisa para a realização da Guerra dos Perdidos nos deparamos com o arquivo fotográfico relativo ao período do governo presidencial de Arthur Bernardes, um facínora. Bernardes tentou promulgar a pena de morte no Brasil, não teve êxito pois seu governo foi na mesma época da condenação à cadeira elétrica dos anarquistas Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti nos EUA, um dos grandes erros judiciais da história. Na ocasião, uma comoção mundial, repercutida no Brasil, protestou pela liberdade dos italianos, e, enterrou o projeto de implementação da pena de morte no Brasil. Bernardes era uma das ilustres figuras da política nacional e teve sua vida política questionada, mesmo pela elite nacional, após o turbulento governo. Nesse arquivo fotográfico estava as fotografias de Clevelândia do Norte, com parcas legendas e nenhum material de apoio. Não sabíamos que era uma colônia penal, mas uma imagem em específico nos chamou muito a atenção. Uma coroa de flores, registrada na ocasião do enterro do ex-presidente Arthur Bernardes nos anos 1950. Na coroa de flores os seguintes dizeres: Os prisioneiros de Clevelândia pedem perdão por terem se insurgido contra um governo tão honesto e um presidente tão digno. Costuma-se dizer que o regime militar brasileiro de 64 foi uma das ditaduras que mais construiu provas contra ela mesma, só pensarmos no suicídio de Herzog, no entanto, não foi a única. A tentativa de restaurar, no momento da morte, a dignidade de Bernardes, é um dos indícios dos crimes do ex-presidente.

R: De que forma vocês articularam os documentos e depoimentos recolhidos para realizar a instalação?

Artistas: A proposição da viagem para a região do Oiapoque foi captar as mais variadas impressões da região, as pessoas e as histórias, relatos, memórias, imagens, situações, ações, heterotopias e afetos; e, num segundo momento, no encontro dessas impressões com o material de arquivo, fotografias, objetos, documentos, jornais, buscamos delinear pontes entre distintos tempos de várias histórias.
As histórias narradas na instalação vão além do advento da Colônia Penal. É todo um corpo de relatos que vem desde o reconhecimento do rio Oiapoque como limite fronteiriço entre Brasil e Guiana Francesa em 1900, histórias de 100 anos de desterro, pois, além da criação da primeira colônia agrícola com retirantes do nordeste e o posterior advento da colônia penal, já ha algumas décadas que o principal fator de emigração para a região é o garimpo. E para além dessa questão do deslocamento de pessoas para a região tem também as histórias das pessoas que já estão ali a mais tempo. Moradores das aldeias e vilarejos da região, como por exemplo a Aldeia Galibi na margem brasileira do rio Oiapoque e a vila Tampack, na margem francesa; entre as duas margens tem a Ilha do Sol.

Apresentamos a história de Xavier lo Pinto, mecânico francês que reside na Vila de Santo Antônio e é dono de um terreno onde havia um cemitério clandestino. Enquanto procurávamos vestígios de estacas e cruzes no meio da floresta que havia tomado conta do local, o francês nos contava sobre a ocasião em que viajou por toda a América do Sul com uma motocicleta construída com suas próprias mãos.

Tem também as narrações de Sebastião Maia, que nos conta, na forma de prosa e poesia, o tempo que ficou no garimpo, contraindo 59 malárias. Maia, secretário de obras do município do Oiapoque, ex-garimpeiro e artista plástico conta também que passou um período de seu vida higienizando, preparando, catalogando, velando, cuidando de cadáveres, que eram mortos oriundos do garimpo, e que haviam sido jogados na porta do cemitério, no centro do município do Oiapoque.

É uma região com uma tradição oral muito forte, e valorizamos muito isso. Então, na instalação, tentamos associar a oralidade da narração com o pensamento em imagens.

R: Quais as estratégias para a realização do Inferno Verde?

Artistas: As histórias apresentadas em inferno verde não se opõem à História como a falsificação se opõe ao original; mas se compreendem como uma forma singular, uma tentativa de narrar a história que utiliza de parâmetros e pressupostos específicos. As escolhas feitas na montagem da instalação não deixam de ser uma tomada de posição frente à historia, à técnica e seus objetos.

No começo da entrevista falei da tentativa de captar as impressões da região. Há uma importância disso que é o pensamento em imagens, ou, a percepção da história através das imagens e das técnicas de assimilação, construção e reprodução da imagem.

Utilizamos tecnologias antigas e modernas, a película super-8mm e a fotografia digital, por exemplo, que interagem de formas distintas com a paisagem e o espaço, e, nos oferecem variações sobre um determinado contexto. No entanto, não é produzir diversas imagens aleatórias e depois ajuntá-las, é um exercício também de lidar com os retalhos da realidade de forma construtiva.

Mas a questão não é apenas a imagem, tem a experiência auditiva, o som do rio, das matas, as músicas, o rádio e os relatos das pessoas da região. Uma coisa que fazíamos com frequência era sintonizar o rádio ondas curtas na rádio Havana Cuba, que, pela proximidade maior com a ilha caribenha, tinha uma recepção muito boa. Eram as notícias que chegavam, assim como as rádios da cidade francesa de Saint Georges, localizada na outra margem do rio Oiapoque, que dividem a banda FM com as duas rádios do Oiapoque.

Reunida nossas impressões, o material encontrado nos arquivos, os livros, objetos e documentos colecionados a partir de fontes diversas, o que fizemos foi, a partir de uma dialético do fragmento, da ideia de montagem ou cut up, construir peças visuais, literárias, sonoras, audiovisuais e documentais.

Para isso, lançamos mão de recursos técnicos diversos que nos auxiliam nas montagens dessas centelhas de história, entre eles a serigrafia, a lito-offset, a projeção, a datilografia e a impressão digital. E, não menos importante é a relação com o espaço expositivo e a tentativa de que aquele seja um espaço que aluda à forma fragmentada, permeada de anacronismos, fissuras e latências.


  • Realização: