• Vista da exposição Eurídice, de Laila Terra
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Laila Terra

Laila Terra tem como sua produção principal gravuras em serigrafia. Participou da 7 Bienal do Mercosul, Rumos 2009 - Itaú Cultural e XV Call em Valência em 2013.


Mariana Fernandes entrevista Laila Terra

Mariana Fernandes: Bom, Laila, primeiramente, gostaria que você me falasse um pouco de como você começou a trabalhar com gravura.

Laila Terra: Comecei a trabalhar com gravura na faculdade durante uma aula de colagem. Eu não me dava muito bem com a pintura, então parti para a colagem. Na época, o lixo do departamento de artes tinha um monte de tela de serigrafia e eu fiquei pensando: "nossa, como que jogam fora esse monte de tela de serigrafia?". Ainda não sabia nada de serigrafia, então comecei a pegar algumas tintas e experimentar. Usei tinta plástica, tinta de tecido, tinta acrílica... e a partir das imagens que já existiam nessas telas comecei a fazer “colagens em serigrafia” que ao meu ver me lembravam muito os trabalhos do [Robert] Rauschenberg. Gostei muito do resultado, principalmente porque ele fugia do que se reconhece como gravura.

MF: Como assim, “fugia do que se reconhece como gravura”?

LT: Eu acho que o Brasil é um pouco conservador em relação à gravura, tem uma ideia muito fechada de que gravura é reprodução. No departamento escutei alguns alunos e professores dizendo, quando viam meu trabalho: "Só tem uma cópia, só uma tiragem? Por que você faz gravura se é só uma tiragem?". E a grande questão é que não importa se você vai fazer uma tiragem ou não. A técnica que eu uso é a de gravura, mas não necessariamente precisa haver várias tiragens. A partir daí decidi fazer serigrafia desse jeito, que não é o jeito “certo”. Comprei uma espátula de parede e produzia com material que não é o “certo”. Nessa época da faculdade também aprendi a fazer litografia. E o que eu mais gostava da litografia era o fato de desenhar com crayon litográfico e a corporeidade da massa em cima da pedra. E depois da impressão, eu ainda conseguia enxergar essa matéria, mesmo sendo chapado eu via a matéria do crayon como relevo no papel. Agora a serigrafia eu enxergava de um jeito diferente. Entendia mais como uma técnica de usar imagens prontas e fazer a colagem. Essas duas técnicas para mim, ainda não tinham uma relação uma com a outra.

Quando eu saí da faculdade, uns anos depois, eu não tinha mais acesso à litografia. E queria fazer grandes trabalhos em litografia, mas a USP não tem pedra gigante. Então me lembrei da técnica de serigrafia do crayon, que quase ninguém usava. Eu gostava dessa técnica. Achava legal. Não precisa de mesa de luz, é uma técnica bem fácil de fazer. A partir daí eu fiz essa série de manchas [Sem título (políptico de 6,) 2009] . São trabalhos grandes, foi quando entendi a possibilidade da serigrafia como litografia. Eu comecei a enxergar essa relação que ficava muito parecida. Essa qualidade de cor de mancha que a litografia tinha. Da superficialidade. Me perguntei “por que eu não consigo pintar e eu consigo fazer a serigrafia?” Entendi que eu gostava do fato de não ter a minha mão diretamente sobre o papel. Achava falsa a tinta, borrada, os respingos de tinta na tela, não sei, eu achava isso controlado demais. E quando eu comecei a trabalhar bastante com serigrafia, vi que o controle era muito menor e elas aconteciam de verdade.

MF: Ao meu ver você está trabalhando numa linha de tensões, transitando entre o pensamento da colagem e da gravura que tem a ver com a construção da composição em fragmentos e o improviso e o caso da gravura

LT: Minha base de estudos sobre artes visuais era basicamente livros de arte. Então, eu enxergava tudo como impressão em papel. Quando eu comecei a visitar os grandes museus e ver as pinturas, para mim foi um conflito muito grande. Nos livros eu olhava uma mancha do Rauschenberg, do Miró, do Rothko e era plano, era gráfico. Era uma mancha que parecia realmente uma mancha. Quando você vai ver a obra ao vivo, é forjada. A mancha foi pintada. Não é uma mancha de verdade, isso foi um conflito. E a gravura funciona pra mim como pintura. Tanto que esse último trabalho, [“Eurídice”, 2014], eu eliminei a matriz. A matriz não é importante, o importante é a colagem, o que eu faço com essa matriz, o jeito que eu imprimo e tal. Com o tempo eu fui cada vez mais eliminando a matriz, então a serigrafia funcionou pra mim como intermediário entre eu e o papel, ou o meio que eu vou imprimir, o suporte. O intermediário é a questão. Eu não consigo ser “eu mesma” direto sobre o suporte, então eu preciso desse intermediário que me tira o controle.

MF: Eu estava pensando que apesar de você dizer que o que te motivou a trabalhar com gravura foi o fato de as suas referências sempre foram de fotografia impressa, hoje eu acho que a sua preocupação é muito mais com a matéria do que com a informação.

LT: É, eu acho que sempre foi. Meu trabalho nunca foi narrativo, sempre trabalhei muito com a questão gráfica. Nunca trabalhei muito com a imagem com narrativa. Era mais o desenho que existe por conta da matéria. Por exemplo na litografia eu fiz os tracinhos coloridos porque eu enxerguei na lito essa materialidade do crayon sobre a pedra. É o material que possibilita o fazer.

MF: Você pode me contar como foi que surgiu o projeto para o trabalho “Eurídice”?

LT: Esse trabalho é uma estrutura reta, a forma são só quadrados coloridos, não tem muita coisa, são algumas barreiras de cor, de preto ou cinza. O trabalho surgiu de uma participação em um site que faz troca de gravuras do mundo inteiro. E para participar tive que fazer 51 pequenas gravuras. Eu não sabia o que fazer, fiquei um bom tempo sem saber o que fazer porque eu não queria fazer 51 gravuras iguais. O tema era Propaganda e Manifesto. Cheguei a conclusão que iria fazer um cartaz, frente e verso, em um dos lados estaria escrito: "Isso é apenas uma resolução estética. Isso é apenas uma revolução estética.". A resolução estética estava inteira, representada pelo quadrado de cor, a revolução estética não, ela só poderia estar completa com a união de todos os que ganhassem essas gravuras. Era um mapa pantônico de 50 quadradinhos, e cada quadradinho era uma gravura, a ideia é que só existiria a revolução se todos abdicassem da produção individual pelo coletivo.

Quando eu fiz esse trabalho, que parecia muito simples, levei 6 meses pra conseguir resolver tecnicamente como que eu faria esses quadradinhos. É muito simples, são quadradinhos coloridos e é uma matriz. Só que nunca havia eliminado a matriz dos meus trabalhos. Eu demorei muito pra conseguir entender a questão da produção das cores, o tempo de impressão o tipo de tinta... Eurídice é a quinta série de trabalhos pantônicos.

MF: Como a iluminação e a referencia a opera Orfeu e Eurídice de Christoph W. Gluck se relacionam com o trabalho gráfico?

LT: A iluminação se divide em 3 atos. Eu mantive o tempo da ópera Orfeu e Eurídice do Gluck que é 1 hora e 45. A ideia da música foi o motivo do projeto em primeiro lugar. Eu queria mandar um projeto para o Paço das Artes onde eu expusesse meus trabalhos sem interferência da curadoria, ou da arquitetura da exposição. Então veio essa ideia da ópera. Eu fui atrás da história da ópera e descobri que essa foi a primeira ópera da segunda “Reforma das óperas” no século XVIII. Gluck realmente propôs uma reforma. No período as óperas estavam muito pautadas no virtuosismo dos cantores... Para o Gluck essa era uma ditadura dos cantores, em que eles abusavam das improvisações, dos vibratos etc.. e deixavam o conteúdo, a essência e o formato da ópera em segundo plano. A questão das cores nada tem a ver com a música, mas eu resolvi utilizar a música como um sentido de propor outro tipo de reforma nas artes visuais e na maneira de produzir obras que fosse menos pautada nos “artistas” e mais na composição da obra. O meu trabalho tem a ver com a reforma e não com a ópera em si.

A questão da construção teatral, isso também me interessa. A luz vai acender no ato 1 que é o primeiro díptico. Vão ser 5 minutos... a ideia original era que as pessoas esperassem o tempo de cada ato, mas dificilmente haveria paciência para esperar. As pessoas hoje não tem tanta paciência pra isso. Então, vai ser mais curto. Acende a luz no primeiro ato, apaga, fica 30 segundos no escuro, acende o segundo, acende o terceiro e então acendem todos e fica o tempo inteiro da ópera. A luz reflete no trabalho e cria um ambiente de cor. O segundo trabalho que é bem vermelho e amarelo quando a luz fica focada só nele, por a sala ser fechada o espaço fica completamente laranja.

A sequencia cromática, quando você vê a penumbra, não se enxerga os detalhes da impressão. Você enxerga uma relação de cor. Quando a luz acende você enxerga outras coisas no quadrado, a impressão fica muito luminosa. Essa relação do público poder sentar e perceber essas sutilezas que eu percebi, porque estava vendo o trabalho todo dia era o que eu também buscava. Eu via à noite, via de dia, essa sensação que eu quis transportar para a exposição. O fato de ser só cor intensifica a relação com a luz.
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