Paula Trope

Rio de Janeiro/RJ, 1962

  • Un besito. Luiz Miguel, 7 anos. Havana (1997) 
    Díptico da série Traslados, Brasil - Cuba, 1997/1998
    foto com câmera de orifício
  • Díptico da série Traslados, Brasil - Cuba (1997/1998)
    foto com câmera de orifício
  • De saia rodada no jardim da casa da minha tia. Júlia, 7 anos. RJ (1997) 
    Díptico da série Traslados, Brasil - Cuba, 1997/1998
    foto com câmera de orifício
Small_arrow_left Small_arrow_right

Paula Trope

Paula Trope possui um trabalho político que envolve a interação com crianças de comunidades pobres. A série Traslados, apresentada na Temporada de Projetos, consiste em pares de fotografias elaboradas com câmeras pinhole. São foto-mensagens trocadas entre crianças do Rio de Janeiro e de Havana. Em 2008, participou da 27ª Bienal de São Paulo com uma criação feita em parceria com o Projeto Morrinho, no qual discutia a situação das comunidades dos morros do Rio de Janeiro. Em 2006, esteve em cartaz com individual na The American Society, em Nova York. 

Alfredo Grieco

Em primeiro lugar, Paula Trope trabalha a fotografia pura. Com câmera pinhole (que em espanhol é câmara de orifício puntual) elabora as suas imagens. Pode ignorar os tempos efemeríssimos dos obturadores industriais para estabelecer o seu próprio tempo: humano, interpessoal, e agora, transoceânico. Por não precisar "compor" um quadro (pois câmera de orifício puntual não tem visor), visualmente a artista molda todo o espaço captado em sua volta. Em outras palavras, ela "mexe" diretamente no espaço, sem o visor como intermediário. Mestra portanto do tempo-espaço, Paula Trope fotografou no Brasil imagens que foram "trocadas'' por outras imagens, feitas em Cuba, e que se entrelaçaram às brasileiras em um só programa afetivo-visual. O (sofisticadíssimo) aspecto foto-plástico entretanto não é opção formal. Como opção conceitual, integra o conjunto estratégico de Paula Trope, já que ela opera principalmente no âmbito de uma sociologia. Envolvido com o social, seu trabalho, ao invés de competir com os meios de comunicação de massa, se apropriou dos seus sistemas de linguagem - para poder discuti-Ios livremente, como fez, com grande sucesso, na série de retratos/auto-retratos dos meninos de rua, trabalho realizado no Rio de Janeiro, um registro que começou no final de 1993, e que é um corpus que Paula já estabeleceu no Brasil. O presente trabalho é um desdobramento dessa série de fotografias.

Operando nos espaços entre fronteiras tecnológicas e geográficas, numa espécie de intertextualidade estratégica, as imagens de Paula Trope trabalham para o fim da distinção entre artista e público, desafiando a tradicional passividade do espectador diante da obra percebida. É nesse contexto que a obra fotográfica de Paula Trope, em última análise, equivaleria à realização de um “teatro racional”, com um profundo sentido político: quando a pose substitui o instantâneo, é como se o modelo fotográfico, ao posar, impregnasse a sua imagem de uma verdade interior. Como sintetiza Walter Benjamin, o momento fotográfico é então vivido como um "estado de exceção", que gera um deslocamento: "Durante a longa duração da pose", escreve Benjamin sobre o retrato fotográfico nos primórdios da fotografia (no ensaio Pequena História da Fotografia), "os modelos como que cresciam para dentro da imagem ... ".

As fotografias de Paula Trope, (ou seus "manifestos visuais"), ao contrariar uma expectativa tradicional da mensagem fotográfica, limitada ao superficial, ao documental, ou ao aspecto formal, abrem perspectivas para novas dimensões da expressão artística. 

Entre o Continente e a Ilha

Estive em Havana de 21 de abril a 11 de maio de 1997, levando comigo 21 fotos-mensagens do Brasil, todas realizadas a partir de uma pergunta: como você quer se fotografar, ou então o que você acha importante mostrar pra uma criança na ilha de Cuba, que provavelmente só vai te conhecer pela fotografia? A questão foi colocada a crianças entre 5 e 16 anos de idade, de diferentes condições sociais, principalmente em seus ambientes familiares. A proposta motivou uma atuação interativa: mesmo sem se apropriar efetivamente das câmeras, elas participaram ativamente da construção de toda a cena, numa espécie de “teatralização espontânea”. Muitas vezes queriam mandar mais de uma "mensagem", e quando a fotografia não "saía", eu voltava e fazia outra (que nunca era a mesma). No Brasil fiz cerca de 30 imagens, editadas para um conjunto de 21 "mensagens" com todas as crianças representadas.

Em Havana, ao apresentar as fotos, eu propunha às crianças que escolhessem aquelas com quais gostariam de “trocar” e o que elas queriam mostrar ao seu amigo no Brasil. Ao final do trabalho, tínhamos um conjunto de 21 fotos-mensagens, além de umas tantas imagens que fizemos a mais. Na última edição, para a exposição no Paço das Artes, São Paulo, e para o livro, quase todas foram incorporadas, sob a forma de sequências, totalizando 65 fotografias.

Penso que, ao olhar os pares de fotografias das crianças que trocaram seus retratos, e os sentidos inesperados que surgem daí, Traslados transcende a experiência em si e revela a sua poética. 

Paula Trope - 1998
  • Realização: