Walter Gam

Belo Horizonte/Brasil,1983

  • Os anos dourados (2011)
    pintura, aquarela
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Walter Gam

Participou das exposições Ciutat Intervingudes (La Capella, Barcelona, 2010), Tristes Tropiques (Novo Museo Tropical & The Barber Shop, Lisboa, 2010), do projeto Idensitat (Barcelona, 2009). Publicou nas revistas Boulevard Magenta (Irish Museum of Modern Art, Dublin,2010), Modo de Usar & Co (Rio de Janeiro, 2007-­‐2011), Inimigo Rumor (São Paulo, 2006-­‐2008). Ambiente (Cosac & Naify, São Paulo, 2009) é seu livro mais recente.

Fernanda Lopes

[WG] A seguir eu deixo algumas ideias meio soltas, mas que podem servir de aquecimento pra gente voltar à conversa. Lembrei-me da letra de Declare Independence, da Björk, em partes como “Proteja sua língua / Crie a sua própria bandeira / Não deixe que façam isso com você”. E acho que estabelece diálogo com algo contido nos Anos de Chumbo e na “energia” ou “potência” das latas laranja e do que elas guardariam.

Além desse encanto de agora com uma noção de ‘tropical’, seria possível ser otimista de um ponto de vista crítico? O que estaria iminente? Esse ‘orange’ fluorescente/radiante das latas é tóxico? Ou, como a sua pergunta: ‘nada acontece ou somos nós que não conseguimos ver o que está de fato acontecendo?’. Também me lembro de um verso do Carlito Azevedo: “nenhum poema é mais difícil que sua época”.

Curiosidade: não sei se comentei isso antes, mas a definição de pavilhão, além do sentido museográfico e artístico, tem dois pontos que reverberam com outros elementos da exposição. Também pode se referir a:

- orelha (lâmina cartilaginosa recoberta de pele onde se abre o conduto auditivo).

- flâmula (pequena bandeira utilizada para indicar a nacionalidade de um navio, para designar uma companhia de navegação, ou para sinalizar).

[FL] Nossa, isso era uma epígrafe linda para o texto de catálogo da sua exposição. Pode ser o título dessa nossa conversa. Eu sou otimista em relação à situação da arte hoje. Se não acreditasse, não faria sentido estar aqui. Mas ser otimista é diferente de estar de acordo, concordar, achar que é assim mesmo... O sistema de arte mudou muito: mais atores entraram em cena, os atores que já existiam passaram por uma mudança de papeis, os cenários possíveis se multiplicaram. E isso é normal. A questão toda eu acredito que seja como todos eles elementos e variáveis se articulam. Em 2008 eu entrevistei o Waltercio Caldas para o caderno de final de semana da Gazeta Mercantil. Ele começou me dizendo uma coisa super bacana. Para ele, ser artista era reconquistar a liberdade o tempo todo. Depois, perguntei: “Você acha que seria mais difícil para você ser um jovem artista hoje do que há 40 anos?”.

Ele respondeu: “Depende do que eu quisesse. Se eu quisesse simplesmente me inserir, não mudar o mundo, mas me adaptar a ele como ele está, conseguiria fazer uma carreira muito rapidamente. Se eu quisesse liberdade, autonomia, se não estivesse satisfeito com esse meio como a minha geração não esteve, não está e não estará, talvez nós tivéssemos que enfrentar os mesmos problemas de novo. (...) O que acho mais cruel nessa situação toda é que talvez o artista esteja deixando correr pelas mãos uma coisa fundamental que é a qualidade do valor subjetivo das suas decisões. Talvez alguns artistas estejam delegando para o público, o sistema de arte e a cultura certas decisões que eles teriam a obrigação de ter sobre o próprio trabalho. Delega a outra pessoa o valor mais precioso que ele tem, que é o de decidir a respeito da própria obra. Isso me incomoda bastante”.

Waltercio disse naquela conversa que vivemos em uma época onde tudo é possível, tudo é tolerado. Então, em um momento onde todas as possibilidades se apresentam, é preciso se engajar a uma delas mais fortemente. É preciso tomar partido, ter uma posição definido. E isso é muito difícil, porque implica em um comprometimento maior. Por outro lado, parece que as pessoas estão tão carentes de uma explicação pronta, rápida, tranquilizadora, que elas preferem qualquer explicação a explicação nenhuma.

Essa conversa me marcou muito e eu sempre me lembro disso. A frase que você citou do Carlito me fez lembrar de novo. E eu penso não só no artista no meio dessa nova realidade, mas também no crítico. É uma realidade, por exemplo, o grande número de editais abertos a artistas anualmente. Isso é ótimo, mas tenho visto uma tendência a criar projetos “pensando no perfil do edital”, como em uma estratégia de como conseguir entrar naquele edital. Claro que muitos projetos são muito interessantes, são bem sucedidos, mas muitos são como boas ideias. Algumas vezes estão até desconectados do restante da produção do cara, ou que funcionam melhor como projeto – como se o que se lê como objetivo, justificativa, resumo e planta fosse mais interessante do que quando ele sai do papel. São trabalhos teoricamente justificados, corretos, fazem sentido. Mas, como diz aquele ditado, “na prática, a teoria é outra”.

E, claro, isso tem uma implicação para a crítica. Como escrever sobre algo que ainda é projeto, mas não é feito para ser projeto? Como escrever um texto de catálogo, como acontece na Temporada de Projetos este ano do Paço das Artes, antes de ver a exposição montada? Por isso, minha pergunta para você é: como foi o processo de tirar esse projeto do Pavilhão das Lebres do papel, uma vez que a maioria desses trabalhos é inédita e foi pensada para funcionar junto, como exposição? Em que medida a dimensão de projeto habita, convive com sua produção

[WG] Procuro não sobrepor os projetos às obras, em termos de hierarquia no ritmo da minha produção, afinal eles precisam de uma lógica específica, delicada, e de corpo para conseguirem flutuar sozinhos. Os contextos formam um tipo de material que me interessa bastante quando penso em criar propostas. Mas, ao mesmo tempo, um endereço conhecido dos projetos é a caixa de guardados. E claro, algumas obras também conseguem se tornar uma proposta, então no fim não há muito como diferenciá-los.

Ainda pensando sobre isso, quando falamos individualmente da maioria das obras desta exposição, acredito que elas coexistem nas órbitas da minha produção e sugerem caminhos trilhados (mesmo que uma vegetação hiper-tropical cubra a estrada cinco minutos após passarmos e não nos deixe vestígios, como na Macondo de García Márquez).

Sobre a realização, tem sido um pouso controlado na medida do possível, quando as ideias assentam e se tornam algo mais físico. Ao lidar por muito tempo com essas obras num estado de projeto-ainda-não-realizado, fica(va) uma dúvida que, pra mim, indica mais a correspondência entre as peças. Porque as fronteiras ainda não estão tão nítidas, demarcadas. No Pavilhão, a percepção do conjunto é bastante significativa, assim como o diálogo entre as obras. Portanto, o clima é em parte instável e dura até a montagem, até porque da instalação eu ainda não sei nem a forma da pedra.

O que me parece novo no Pavilhão das Lebres, em relação às minhas obras e projetos, é a adição de uma nova camada de complexidade no desejo de duvidar de agora (e até por isso talvez eu tenha olhado pra história como uma matéria-material) e dimensionar algumas desconfianças minhas sobre o que nos habituamos a ver naquilo que nos habituamos a chamar de arte (ou o que se estabelece como arte).

[FL] Sim, a dúvida, ou melhor, o incômodo da dúvida, é um elemento que se percebe em alguns trabalhos do seu portfólio, como Como apagar pegadas (2009) – um vídeo que registra uma mulher varrendo um uma sala vazia de chão de madeira e parede branca. Andando de um lado para o outro, ela vai manejando a vassoura, varrendo incessantemente. Mas para que tanto esforço? A sala está completamente vazia, o que facilita o trabalho de limpeza uma vez que não é preciso empurrar móveis ou recolher tapetes. O espaço não parece habitado e, talvez por isso, nem precisasse ser tão bem limpo. Mas o nome do vídeo revela que a tarefa não tem fim. Quanto mais a mulher limpa o chão aleatoriamente, mais vai deixando suas próprias pegadas onde já estava limpo. É um círculo vicioso, um trabalho sem fim. Há também Ideário (2010), que traz um caderno de anotações encontrado em uma praça em Barcelona (Espanha). 

Em algumas páginas podem ser lidas frases soltas que lidam com a ideia de desencontro, como “por que estamos falando disso?” e “como chegamos aqui?”.

Se a exposição do Paço das Artes revela seu interesse pela história da arte, acho que esses outros trabalhos também apontam para um interesse no comum, no cotidiano. E mais até: relevam como essas perguntas e dúvidas que você se coloca sobre o meio de arte, de alguma maneira também são válidas para a “vida comum”. Te interessa a maneira como esses dois campos se encontram?

[WG] Não tinha percebido que esse certo impasse criado através das dúvidas e questionamentos existia num espaço que fosse comum aos temas (historia da arte / vida comum). Sim, me interessa que haja um idioma falado nas minhas obras que possa abranger tantas coisas. De qualquer maneira também não vejo a ação de duvidar como uma hesitação, a incerteza aqui já é um risco. E a experiência que surge dessa condição talvez seja o que mais importa.
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