• Vista da exposição VITRAL (2009), de Michael Groisman (Foto: Divulgação)
  • Vista da exposição VITRAL (2009), de Michael Groisman (Foto: Divulgação)
  • Vista da exposição VITRAL (2009), de Michael Groisman (Foto: Divulgação)
  • Vista da exposição VITRAL (2009), de Michael Groisman (Foto: Divulgação)
Small_arrow_left Small_arrow_right

Michel Groisman

Michel Groisman desenvolve um trabalho que integra artes visuais e jogos com corpo. Em sua pesquisa, já contou com o apoio de diferentes bolsas: Rioarte (2004), Vitae (2002) e Uniarte da Faperj (2000). Seu trabalho tem sido visto tanto em museus como em festivais de dança e performance: exposição Tempo, do MoMA de Nova York, II Bienal de Lima, no Peru, festival de La Batiê, em Genebra, Festival In transit the Berlim lab, na Alemanha, Desviaciones, de Madri, e Encontros Acarte de Lisboa, entre outros. Desde 2004, desenvolve parcerias com outros artistas, como Gabriela Duvivier, treinadora de improvisação teatral e professora da Técnica Alexander, e Sung Pyo Hong, fotógrafo e videomaker.

Luisa Duarte

Na direção contrária à da pressa a que somos submetidos diariamente, caso nos deixemos dragar pelo ritmo exterior ofertado pelo mundo de hoje, Michel Groisman cultiva lentamente cada um de seus trabalhos, fazendo do tempo um aliado. A exposição “Vitrais do Coração”, apresentada no Paço das Artes, é mais um exemplo desse vínculo.

Desde 2005 o artista vem experimentando possibilidades deflagradas por um único gesto: o de encostar os dedos de uma mão na outra e a partir daí construir inúmeras formas. Gesto ao mesmo tempo simples e complexo, ao alcance de cada um de nós. Este ato, intitulado “Porta das Mãos”, parece-me ser uma daquelas pequenas epifanias que mora nas entrelinhas do cotidiano, mas que o hábito tem o poder de velar, fazendo com que deixemos de notar sua possibilidade. Fazemos com as mãos, diariamente, um uso já catalogado, ou seja, as utilizamos para abrir uma porta, por exemplo. Mas não temos olhos para vê-las, as mãos, como portas. Essa é a inversão primeira e fundamental provocada pelo artista.

Em “Vitrais do Coração” são apresentados trabalhos em vídeo, fotografia e uma performance, todos eles em torno do princípio de “Porta das Mãos”. No momento em que escrevo este texto os vídeos e as fotos ainda não estão finalizados, mas sobre a performance sou capaz de imaginá-la, a partir de sua descrição.

No Paço das Artes, Groisman utiliza uma peça adaptada ao seu plexo cardíaco por meio de elásticos. Esta peça tem uma pequena lâmpada no centro, conectada a um pedal que controla a intensidade da luz. Deste modo, o artista escolhe a quantidade de luz que emana de seu peito. No espaço de uma sala estão posicionados dois bancos. O artista convida alguém do público para sentar-se em um deles, encostado em uma parede, enquanto ele próprio se senta em um outro, localizado no centro da sala. O artista e outra pessoa estão, agora, frente a frente, com o restante do público ao redor. Neste momento, Groisman constrói uma forma com as mãos, posicionando tal forma diante da lâmpada apagada frente ao peito. Gradualmente, controlando o uso do pedal, a luz se acende, o que faz com que a sombra da forma seja projetada sobre a pessoa sentada. Estes são os fundamentos da performance, que ainda não ocorreu enquanto escrevo e poderá sofrer uma ou outra pequena alteração. Mas pensemos no que está em jogo nessa proposição.

A questão do contínuo me parece estar presente neste e em quase todos os trabalhos do artista. Aqui, o contínuo, a vontade de prolongamento, se dá entre duas mãos, o que eram dois, torna-se um. Que por sua vez é múltiplo, são inúmeras as formas possíveis com a simples união entre os dedos de cada mão. Tal estado de conexão é, nessa performance, expandido até o outro.

Há aí um equilíbrio sutil entre previsibilidade e acaso. As formas trazem consigo uma permanência, um sentido de controle; a presença do outro e suas inúmeras possibilidades de reação quebram esta regularidade da forma, abrindo caminho para o acaso. Se as mãos e o coração estão no centro desta proposta, lembremos que ambos, para além dos seus sentidos utilitários maiores, trazem consigo inúmeras repercussões de ordem simbólica ligadas à vida. Os trabalhos do artista, desde o seu início, ao privilegiarem uma dimensão da continuidade, da transmissão, do contágio que propaga luz, fluxos, findam por colocar em movimento uma engrenagem de natureza vital.

Em “Vitrais do Coração”, as mãos de Michel e suas formas não pegam ou apanham, mas somente pousam levemente como uma sombra no peito/coração de cada um. Aproximado-se mais do gesto de tocar do que de pegar. Trata-se de uma economia da delicadeza dedicada ao outro. O que me faz recordar algo dito por uma escritora certa vez: “... Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos”.

--

ENTREVISTA COM MICHEL GROISMAN

Luisa Duarte: Em Vitrais você apresenta um conjunto de trabalhos que se diversificam entre performances, vídeos e fotografias. Você poderia falar sobre as intenções deste trabalho e como estas diferentes linguagens se comunicam?

Michel Groisman: Aqui, estas linguagens são como diferentes portas de entrada para a mesma sala, ou melhor, para o mesmo momento-templo, iluminado por um vitral perene, o corpo, que confere forma à luz. 

Luisa Duarte: A questão da continuidade me parece ser importante em muitos dos seus trabalhos, seja nas performances propriamente ditas, seja na vontade já expressa por você de instaurar certa continuidade entre arte e vida cotidiana. Como você lida com esta questão hoje?

Michel Groisman: Sempre que possível procuro me lembrar da qualidade da continuidade, sobretudo quando me vejo demasiadamente preocupado em alcançar objetivos, como se a “chegada” fosse mais importante que a caminhada, como se houvesse um sem o outro, como se houvesse performance à noite em um vernissage, sem aquele momento durante o banho pela manhã, ou como se aquele importante encontro profissional fosse possível sem a ida ao supermercado. Assim, comecei a tentar lavar a louça como se estivesse diante do público e a realizar minhas performances como se estivesse em casa lavando louça. Embora pareça absurdo, ambas as experiências se tornaram muito mais interessantes - tanto o ato de lavar a louça quanto o de se apresentar. Então, o que dizer de cortar as unhas do pé como se estivesse visitando um importante museu e visitar um importante museu com se estivesse cortando as unhas do pé ? É, parece que o nosso modo de olhar as coisas pode torná-las bem diferentes. O termômetro que utilizo é a pressa. Se percebo que estou com pressa, tomo como um sinal de que estou acreditando que algo que virá a seguir será mais importante que o momento atual. É um sinal de que mais uma vez fui pego pela descontinuidade. Mas o que fazer? “mesmo quando estiver correndo, corra devagar”, foi o que escutei outro dia.

Luisa Duarte: Os seus trabalhos lidam desde o início com o corpo como ponto de partida. Como surgiu esta escolha? Quais artistas te inspiraram neste caminho?

Michel Groisman: É impressionante como traçamos nossos planos baseado nas cartas que temos à mão, e, de repente, compramos do bolo uma nova carta que modifica o sentido de todas as outras! Foi o que aconteceu comigo ao descobrir o uso do corpo como meio. Algo maravilhoso - a descoberta de uma ponte entre pensamento, sentimento e expressão. Atualmente, o que que me inspira muito em meu processo é reconhecer a qualidade de entrega e doação no fazer dos artistas. Gosto de assistir a vídeos no youtube: Clara Nunes, Ray Charles, Sivuca, Elis Regina e Hermeto em Montreux, entre outros. 

Luisa Duarte: Muitas das suas performances ofertam uma participação ao público. No Paço da Artes não será diferente. Como você enxerga essa participação do outro no seu trabalho?

Michel Groisman: A participação do outro é um caminho para minha relação com o meu trabalho, assim como o meu trabalho é um caminho para minha relação com o outro
  • Realização: