Luise Weiss

São Paulo/SP, 1953

  • Copos d’água (1997)
    fotografia a partir de montagens série de aproximadamente cem (ou mais) copos d’água
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Luise Weiss

A obra de Luise Weiss sempre permeou os universos da memória e da identidade. A artista usa antigos retratos de seu arquivo familiar como principal matéria-prima. As fotografias propriamente ditas aparecem em objetos criados por ela, como na obra apresentada na Temporada de Projetos, Copos d’água, ou em álbuns fotográficos, além de serem base para pinturas e gravuras. Luise esteve em cartaz com a exposição individual Lugares de passagem, no Espaço Cultural BlueLife, e participou da coletiva O Preço da sedução: do espartilho ao silicone, no Itaú Cultural, ambas em 2004, em São Paulo.  

Luise Weiss

WOGEN UND WIND SIND GOTTES

SEGEL UND STEUER SIND EUER

DAMIT IHR DEN HAFEN GEWINNT*

Como acontece, quando observamos atentamente uma superfície de água, uma represa ou lago, é no contemplar atencioso que imagens devagar se delineiam. Elas estão ali, uma de repente sobe à tona, evidencia-se. Outras não, ou porque estão mais fundas, ou porque o lado do fundo da represa a cobriu. Assim ocorre paralelamente com a nossa memória: as imagens estão ali, em algum canto, guardadas, submersas. Em algum momento, uma outra situação ou mesmo outra imagem provoca uma associação e, ei-Ia: volta à superfície.

Talvez, pensando nas imagens submersas (em muitos sonhos surgem sombras e vultos, nadando na água), e "brincando" com os reflexos de um copo d'água, surgiu a ideia de colocar retratos submersos na água. "Água", aqui, como metáfora da memória, do "acordar" da imagem, pois o reflexo da água, num primeiro instante, amplia a imagem, cria visualmente um volume maior. Olhando por um prisma superior, veem-se duas imagens, uma menor e uma maior, simultaneamente: a menor é da fotografia, a maior, da imagem refletida. Além de aumentar a imagem, o retrato refletido em alguns instantes se incorpora, ganha volume ... como se a água o fizesse, subitamente, aparecer (e não desaparecer). A água cristalina mostrando e ampliando o rosto: no seu mergulho, torna-se mais vivo, renasce a imagem. A água, neste sentido, foi incorporada como fonte de vida, como metáfora de memória submersa, lutando para subir à superfície, mostrar-se. Nascer, transparecer de novo através da água cristalina.

A imagem, ao ser mergulhada no copo d'água, deixa de ser absolutamente plana: ela ocupa o espaço do copo, ela o preenche, fantasmagoricamente. Uma imagem aprisionada no copo d'água? Talvez, mas antes de associar a imagem surgida com uma "prisão", penso na libertação da mesma. A água a revela e nesse sentido há uma libertação, um surgir metafórico. Uma imagem mágica sonhada.

Passando algum tempo, veio-me a ideia do congelamento: água congelada = memória congelada. Como ficaria esta mesma imagem do retrato mergulhado, caso a água congelasse, virasse pedra de gelo? Realizei algumas experiências e de um dia para outro a superfície da água toda ficou congelada. A imagem do retratado estava ali, difusa e encoberta pelo gelo. O gelo, relacionado com frio, com morte, com preservação (pois ele congela e depois degela). Mas, diferentemente das experiências nas quais se congela uma pessoa para recuperar-lhe a vida posteriormente, aqui, a fotografia relaciona-se com pessoas já falecidas anteriormente. A experiência com o gelo deixou-me fria, relativamente aos demais experimentos.

Ainda pesquisando as imagens nos copos d'água, procurando imaginar como projetá-Ias no copo sem mergulhar os retratos, fisicamente, resolvi projetá-Ios (com projetor de vídeo) em copos d'água. Entretanto a água translúcida não capta a imagem, que a ultrapassa. Apenas o leite opaco conseguiu captar a imagem desmaterializada e, por segundos, devolve-Ia ao meu olhar. Fotografar assim foi um ato que teve de ser feito rapidamente, pois apenas por instantes a imagem estava lá, fantasma transformado em luz.

“O importante é assinalar que a fotografia é exatamente o lugar e o meio pelo qual a ciência (medicina, psiquiatria) faz ficção, que ela é o lugar de passagem, de abertura a um espaço de invenção total, onde o corpo fotografado ao mesmo tempo se entrega a fundo e se perde nos abismos: é a própria definição da efantasmização dos corpos fotografados. Corpo de luz, corpo de trevas” (DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP, Papirus, 1994, p.241.)

* As ondas e o vento pertencem a Deus. As velas e o leme pertencem a vós para alcançardes o cais. Epitáfio à inscrição funerária no túmulo do avô Fritz Weiss. Autor desconhecido.

Texto extraído da defesa de tese de doutoramento Retratos Familiares: in Memoriam.

Agradecimentos: A Kenji Ota e Luiz Alberto Oe Genaro, pelas fotografias, a Shirley Paes Leme, pelas sugestões da montagem.

  • Realização: