• Detalhe de A questão longínqua (a marca) (s/d)
    Desenho de Patrícia França

  • Detalhe da instalação O piloto e o martelo de borracha (2002)

    Hélio Fervenza

    Lupas e suportes em aço

  • Detalhe de A questão longínqua (a marca) (s/d)
    Desenho de Patrícia França

    Fotografias e vidro

  • Vista parcial da instalação O piloto e o martelo de borracha (2002)
    Hélio Fervenza
    Árvores de maquete 

  • Detalhe da instalação O piloto e o martelo de borracha (2002)
    Hélio Fervenza
    Martelo de borracha e suporte em aço

  • Poing (detalhe de Power/Podium) (1994)

    Maria Ivone dos Santos

    Fotografia P/B

  • Detalhe de Meditações (2000)
    Maria Ivone dos Santos
    projeção de negativo

  • Meditações (2000)

    Maria Ivone dos Santos

    Bloco de gesso reproduzindo impressão de gesto

  • Detalhe de Palavras-chaves (2002)

    Élida Tessler

    3 de 6 claviculares em metal 

  • Detalhe de Manicure (1998-2002)
    Élida Tessler

  • Bodas 2 (2002)
    Elyeser Szturm
    Emulsão fotográfica sobre molde de silicone

  • Detalhe de Palavras-chaves (2002)
    Élida Tessler
    3 de 6 claviculares em metal

  • Detalhe de A questão longínqua (a marca) (s/d)
    Desenho de Patrícia França

  • Detalhe de Meditações (2000)
    Maria Ivone dos Santos
    projeção de negativo

  • Detalhe de Segredo (2002)

    Élida Tessler

    Cabo de aço, chaves

  • Detalhe de Manicure (1998-2002)

    Élida Tessler

     

  • Bodas 1 (2002)

    Elyeser Szturm

    Emulsão fotográfica sobre molde de silicone

  • Meditações (poing) (2000)
    Maria Ivone dos Santos
    Tiragem PB

  • Detalhe de A questão longínqua (a marca) (s/d)

    Desenho de Patrícia França

  • Bodas 3 (2002)
    Elyeser Szturm
    Emulsão fotográfica sobre molde de silicone

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ARTISTAS

Élida Tessler

Elyeser Szturm

Hélio Fervenza

Maria Ivone dos Santos

Patrícia França




Stéphane Huchet vive no Brasil desde 1996. Para a exposição O contato, em 2002, o curador propôs um projeto de cunho analítico no qual foram convidados artistas que trabalham ao redor de um conjunto de proposições plásticas que representam o contato como iniciação sensível ao mundo Em 1996, organizou a representação francesa na 22ª Bienal de São Paulo. É autor de várias publicações sobre história, teoria e crítica da arte contemporânea.

O contato

Stéphane Huchet

Partimos da constatação de muitos “adoradores do processo” tecnológico contemporâneo terem quase de repente abandonado as promessas carnais da experiência sensível. Os adoradores do cyberspace, do contato computadorizado e eletrônico, submeteram as noções tradicionais de contato a um tremendo desafio. A renovação do sentido do Contato, portanto, não pode prescindir da investigação dos estratos mais complexos que o constituem. O contato desfaz a hierarquia. É potencialmente subversivo, moral. Suas constelações conseguem tornar a natureza virtual. O Contato é a paideia da natureza. Promete o desabamento da autoridade. Acaba levando reis e súditos a deitarem-se no mesmo leito do desejo. Garante ao homem o reencontro de sua condição de jacente desejante (gisant). Abre a caixa de Pandora da invenção. Não pertence ao âmbito de uma natura naturata, mas abre o possível. Na troca entre superfície e profundidade, encontra-se um poder potencial de superação dos limites inerentes às finalidades mecânicas. O contato é a promessa de uma poïesis imponderável, não prescritível.
 

O calor de um signo (que acaba de ser deixado) é infra-mince. O olho fixa fenômeno / infra-mince”. (Marcel Duchamp, Notes sur l’infra-mince, 4 e 5)

Aos confins

Dentro das várias ordens topográficas e topológicas que delimitam o humano, todo contato implica uma geografia: a geografia da troca entre profundidade e superfície. Seus intercâmbios precisam do espaço do limes: lugar-sem-lugar, linha de partilha. Epifânico, o Contato acontece e não tem lugar. É a dobra do paradoxo.


Por captura
A cada ocorrência, uma análise do Contato revela um leque de características diferenciadas: do tocar mais suave à violência exercitada sobre os corpos. Aqui, o contato é o limite da força: a pele recobre apenas a cornucópia da destruição, submete o virtual a um afogamento programado, embaralha a livre espacialidade do Ser, impõe configurações ditadas por estratégias covardes. O contato por captura está baseado numa arquitetura do constrangimento. Precisa de golpes vetoriais, de direcionamentos apunhalados. Usa das próteses mecânicas para realizar os constrangimentos necessários ao exercício de sua força. Diagramatiza, categoriza e hierarquiza. Submete tudo a grades. Organiza a cena obs-cena das ditaduras visuais. Desvenda o óbvio do obtuso e permite apenas os intercâmbios entre semelhantes de massa (Arma do niilismo?).
 

Por dupla face
A dupla face do contato quer reenviar à cifra das trocas entre reto e verso, face e sousface, direito e avesso. Não seria a velha realidade complementar entre sexos?
 

Touc
hant
Toc
ante


Conforme a morfologia da luva, o masculino e o feminino mutuamente invertidos em seu complemento... A dupla face seria apenas a muda das trocas que esses dois polos costumam realizar, sua nova pele ou face concreta. Bodas onde presença e ausência apelam- se mutuamente e demostram sustentarem-se somente através do complemento.

Por desejo
Contato por excelência. Ele envolve todos os sentidos a participarem de sua trama. Eros ros varre o corpo. O corpo entra em contato consigo. O desejo contrata o corpo. Contato/contrato. Contato: corpo, outro, visão, choque, porvir: carícia, águas, tensões e “pequena morte”. A volumetria prometida. Pintura e escultura basearam suas fantasias na vontade de recriar a possibilidade de um contato à segunda potência.


Por interação
O contato seria como o palco indefinido do encontro entre instâncias temporais que se tramam entre elas. Tal é a História, zona sob influência. A arte sabe disso. Se concordarmos idealisticamente em avaliar que ela nos deixou desde suas origens o rastro dos sonhos humanos, podemos ver nas suas produções a grande manifestação do conjunto lábil dos contatos intersubjetivos. A linguagem é zona privilegiada do contato por interação. A linguagem é a barragem alta que transforma sua matéria em energia comunicacional. É ao mesmo tempo a represa, a barragem e a energia. Ainda mais: a linguagem, na sua pretensa transparência, interage com suas águas profundas: coisas, objetos e faces duplas de seus componentes que são as palavras. Se todo sentido é análogo a um volume ou a um sopro no qual a interação da linguagem e das coisas ressoa (seca ou liricamente), a linguagem não é mais a troca das “similitudes” entre ela e as coisas, mas, pelo contrário, um jogo de forças no qual mundo e expressão “dissoam”. Aliás, desde o início do Século XX, os artistas, poetas e filósofos insistiram muito sobre o fato da interface linguagem-coisas tecer o lugar crítico de sua irreconciliação. A arte não seria por essência o espaço das trocas interativas, já que qualquer traço inaugural já é uma ideia incorporada?


Por rede
Uma rede conecta polos, organiza intercâmbios, troca espaços, recobre um pelo outro, vê-los se dilacerarem, se costurarem. A rede foi sempre o modelo essencial do tecido urbano, o diagrama das cidades desejadas. É tanto o bloco mágico da nossa constituição psíquica (Freud) quanto o espaço predisposto das virtualidades a serem concretizadas. O desejo abre uma rede. O contato encontra nela a elaboração topológica de seu sentido. É, sobretudo, uma formidável fonte de inspiração para o desenho: dois traços misturados já formam rede.


Por telefunções
Morte do contato numa época que jura pela comunicação. A distância comunica-se enquanto tal, porque um écran abriga apenas as fantasias da ausência.


Cyberia/Sibéria.


Violência do encontro manso, frieza solitária. Tempo quente do espaço frio. Nossa época produz as estrelas pseudo-artísticas do mercado: o contato é submetido à rapidez cinética da passagem das imagens. Tantas estórias e pouca experiência própria. Qual contato conosco mesmo? De Freud a nossos dias, teremos assistido à dilapidação de uma promessa inerente à vontade de se conhecer.


Por gesto
A dança nos ensina que nossa matriz gestual, talvez tão ameaçada pela nova passividade causada pelo uso excessivo das redes computadorizadas de comunicação interdoméstica, é um reservatório deslumbrante de expressividade. A batalha entre a inércia e a expansão corporal reflete a batalha política entre cosmopolitismo e clausura sobre si mesmo. A pele do mundo murcha, encolhe ou amplia-se e cresce. “That is the question”.
Ouvimos demasiadas convicções a respeito da ampliação do mundo para não duvidar. Aliás, a dúvida maneja o espaço, a distância e o volume de aproximação necessários à realização do gesto, isto é, o encaminhamento do contato. Um mundo saturado de informações, de imagens e, usando da mediação de moldes de formatação de personalidades massificadas, não deixa muito espaço ao encaminhamento livre do gesto. Sem repará-lo, estamos presos numa rede que deixa pouco espaço à dança real. Apesar de nossas pretensões, nosso contato com a liberdade é reduzido a uma margem na qual nos debatemos contra as paredes dos mecanismos. Somos majoritariamente as próteses dos mecanismos. Nietzsche o tinha visto nos anos setenta do Século XIX. A saturação em História e estórias nos esvazia. Um Ser vazio é um ser sem contato.


Por tatilidade
O toque. Como conhecemos? Malevitch dizia que o último atestado do conhecimento reside no grito suscitado pelo toque que inaugura um conhecimento pré(-) ou pós-linguagético. Conhecer, nesses termos, seria como encontrar a resistência da matéria. O fascínio em prescindir do corpo é apenas uma das barbaridades ingênuas que o capitalismo inventou para que possamos acreditar em nossa autonomia. Somos menos mônadas iluminando uma parcela do mundo do que opacidades plenas suspendidas à falsa iluminação que a indústria midiática, aliás, é incapaz de providenciar ao mesmo tempo em que ambiciona fazê-lo. Telas e écrans são nossas Górgonas, nos medusam e petrificam. Os petrificados, meros conectados sem contato, não tocam. Não têm toque. O Toque do Mundo, eis o que sobra de cosmológico no Contato.Deus-Mão-Adão; a rede teológica da tatilidade criativa…


Por impressão (A imagem)
A fenomenologia (de Husserl a Merleau-Ponty) renovou o sentido da situação do ser no mundo, propiciando-lhe a labilidade necessária a uma habitação volumétrica e quadridimensional. A “consciência de...” que me liga aos objetos e aos fenômenos faz com que, no caso das imagens, eu não as possua em mim, mas que elas estão presentes em mim sob forma de imagem viva. A virtualidade (da árvore enquanto imagem) não se opõe à realidade (da árvore concreta). Significa apenas a dobra de uma presença por lembrança que é real, mas na forma da virtualidade. Não a possuo;, ela age em mim enquanto traço.

Infra-mince, toque
Apesar das aparências, num mundo que pensa que comunicar é entrar em contato, “nosso” contactar não quer contemplar o tradicional regime de funcionamento da linguagem para o qual, através da rede predicativa convencional, todo objeto estabelece com os outros objetos relações de identificação e proporção semânticas, dizendo: isso é aquilo; aquilo é aquilo. Não: o contato é a reserva do (nosso) devir-mundo. Marcel Duchamp, nas suas 46 Notes sur l’infra-mince, formulou a gama dos múltiplos tipos de contatos que se depreendem do funcionamento desapercebido dos objetos na interação que mantém entre eles. Infra-mince (infrathin ou intrafino, mas manteremos “mince”) é “o calor de uma poltrona que acaba de ser deixada”(note 4). As 46 Notas de Duchamp sugerem que, nos interstícios imperceptíveis que a constituem, a realidade sensível é uma máquina e um reservatório insondáveis onde o mais tênue e imponderável dos sentidos desenvolve suas implicações infra-minces. Assim, toda conceituação do contato o é de uma forma de infra-mince, formidável conjunto das sensações sutis onde o toque entre objetos é o anonimato sensorial que tece a percepção de forma infinitesimal. Em relevo oco, o infra-mince é profunda e superficialmente plástico, de uma plasticidade onde, segundo a celebríssima sentença de Paul Valéry, o mais profundo é a pele. É por essa razão que, na sua filosofia do corpo, o filósofo Jean-Luc Nancy escreve que o sentido do mundo é o enunciado do corpo. O contato é a superfície dos toques. O contato é a epopeia daquilo que acontece quando duas peles se tocam sem que nada seja prescritível ou situável. É o inter- que ajunta. O contato é o espaço. Estrutura concretamente a virtualidade de seu desempenho. Inventa a poesia de um novo vigor, como dizia Arthur Rimbaud nas Iluminações. O mundo não tem mais sentido, ele é o sentido. Tocar, escrever, “infra-minces”...
 

Nancy escreve: “não trata-se de significação mas do sentido do mundo como sua concretude mesma, aquilo que nossa existência toca e pelo qual está tocada em todos os sentidos possíveis (...) Trata-se de um trabalho (...) do pensamento - do discurso e da escritura - onde o pensamento emprega-se a (...) tocar o que não é para ele um ‘conteúdo’, mas seu corpo: o espaço dessa extensão e dessa abertura no qual e como o qual ele se ex-creve, isto é, se deixa transformar em concretude e em praxis do sentido.” (1). 


O mundo é o tornar patente ou o corporalizar do mundo. O patente do mundo exige a colocação a nu dos existentes enquanto fragmentos: a abertura enquanto tal é abertura do mundo ou Toque. Tem apenas corpos que se tocam, fratalidade total, um Contactar urbi et orbi...


O contato de Hélio Fervenza
Hélio Fervenza cria paisagens raras e sintéticas. Talvez a eficácia da arte resida também em uma tipologia concisa do contato. Cesuras, recortes e pequenos artefatos, necessários à sua afirmação, almejam ampliar seus pontos de impacto. Visa-se. Direciona-se o ínfimo através de surgimentos focais miniaturizados. As lupas situam o horizonte imponderável da percepção que, ao implicar o mais tênue dos contatos, não deixa de sempre-já instituir o domínio da arte. Expor o olho frente a seu semelhante possibilita que cada um passe através ou atrás do outro (negação do medium) ou pare ao contato de sua espessura. Assim, podemos leiloar a realidade se não a vemos, mas o simples toque do Martelo perceptivo pode gerar espaços de estranhamento e de ampliação cognitivos que beiram a alucinação visual. Como surge o espaço? Já vimos Sahara’s em pedaços de areia… Ver as formas surgirem, é tudo o que a arte sempre de-mostrou.
 

Pré-posições de espaço: entrar em contato com: questão de grande porte. Algo da soberbia da Obra de Arte ausenta-se de propósito. Concentrar, condensar, focalizar: désir d’espace. Uma árvore-miniatura em um imenso ambiente branco: Hélio Fervenza encena rastros de uma visão “suprematista” onde se afirma a potência figurativa do traço inaugural pelo qual todo ato expositivo começa. Desejamos que essa distinção mostre que o raro da imagem e o raro do objeto possam ser uma forma de neg-entropia produtiva. Less is more. Espessuras tênues e regulações semióticas: a invenção do rigor e da fragrância proposicionais na colocação a nu do gesto criador. Tal é uma arte dos confins: inventar a distância para elaborar as condições de possibilidade da inferência dialógica.


“A troca entre aquilo que nós / oferecemos aos olhares { toda a mise-en oeuvre para oferecer / aos olhares (todos os domínios) } e o olhar glacial do / público / (que percebe e / esquece imediatamente) sempre / esta troca tem valor / de uma separação infra-mince / (querendo dizer que mais / uma coisa é admirada / e olhada menos existe separação / inf.m.”(M. Duchamp, Notes sur l’infra-mince, 10)


Lupa para o tocar (infra-mince) μμμμ separam o inframince Os inframinces são diáfanos e às vezes transparentes” (M. Duchamp, note 32)


O Contato de Patrícia Franca
Às vezes, ver Outrem gera impactos sensíveis onde o enrubescimento ou o devir-branco testemunham que, desde as origens da visão “artística”, o corpo é um espaço privilegiado de deposição. A arte sempre investigou os poderes de aparição do corpo. Os fragmentos fotográficos de Patrícia Franca mimetizam certas tomadas de contato, rituais com territórios desconhecidos: as do corpo que se apresenta, como se fosse a primeira referência, permitindo que outras se agreguem. Numa versão da cena antropológica, o primeiro homem e a primeira mulher dão as costas para fugir da força cegante da nudez que resulta de um contato não filtrado com a lu(cide)z. Assinala que aquilo que queima os olhos torna os corpos frios: oxymoron do desejo e do espelho. A pele branca ainda é o suporte de futuras escrituras sagradas onde uma geografia da imagem desenhar-se-á. Vincular a exposição do corpo a seus intervalos representa um traço expressivo de grande porte: o ritmo e as escanções morfológicas articulam-se aos fluxos da cor para criar uma estrutura epifânica.
 

Essa estrutura sempre foi ressaltada como sendo uma fonte crítica para análise do Eros. Imagem “numênica”, a cor brota dos estratos físicos e ressoa ao mapear, traço por traço, seu surgimento fenomenal. 

 

O desejo olha também as múltiplas iluminações da história da arte. Retábulos e polípticos. A Questão longínqua… Se, secularmente, o corpo nu da “Queda” é tão interessante, é porque inaugura algo que a teologia medieval formula como um caminhar do homem na imagem para recuperar a cor ontológico perdida, Caminhar é redimir o palimpsesto trágico que nos afasta da semelhança divina. Perdemos os traços que nos realçavam. Os fotogramas adâmicos parecem desenhar uma Escada de Jacob, extensível à vontade. Atravessando os fragmentos, ela leva à invenção da presença e à reminiscência da espessura antropológica dos jacentes e das estelas.


“Separação infamince – melhor / do que tabique, porque indica / intervalo (em um sentido) e / tabique (em outro sentido) – separação / tem os 2 sentidos macho e fêmea”. (M. Duchamp, note 9)


Um raio de luz (sol) reduzido a um infra-mince (…) Cores e infra-mince: transparência ‘atenuando’ as cores / em infra-mince “Laminage” para isolar um / infra-mince – entre duas placas de vidro (…)” (M. Duchamp, note 24)


O contato de Maria Ivone dos Santos
As Meditações de Maria Ivone dos Santos são uma pedra de toque do contato. Em duplo sentido, entre volume e película relevo e oco, não apenas entre “mídia” mas dentre os comportamentos das imagens. Blow up: explora os recursos mútuos do positivo e do negativo, os gêneros específicos miscigenam-se em novos patrimônios formais. Ao moldar e imprimir nas superfícies de blocos ou suportes brancos, rastros formais que emergem discretamente, o gesto escultórico, gesto de contato por excelência, reafirma uma dimensão fundamental do cont(r)ato icônico: gerir uma película simbólica cuja fenomenalidade precisa do índice para articular a iconicidade como abrangência do inabarcável.
 

Medita-se sobre o devir-aparente (Power/Podium) da imagem, já que a revelação fotográfica a reforça ao máximo: como assistir ao segredo da saída das águas, entre um inconsciente cristalino (sabemos que o cristal é o paradigma da comum origem da escultura e da arquitetura como disse Hegel) e a tese natural das imagens, seus mecanismos. O grande desafio icônico reside, deveras, na organização da Topografia que vê recobrir-se a mão da percepção e a da expressão. Retornando às fascinantes “similitudes” verbo-icônicas ressaltadas por Michel Foucault na análise da cultura pré-renascentista, vemos duas mãos prontas a se fecharem uma sobre a outra para afirmar que os espelhamentos criados na rapsódia dos contatos desenham ou projetam frágeis acordes onde mundo e signos tentam, hoje, reescrever o Livro do Possível. Assim, todo bloco de sensação torna-se uma lógica do sentido


“O possível possivel implicando / o devir – a passagem de / um ao outro acontece no infra-mince.” (M. Duchamp, note 1)
 

“Portador de sombra” / sociedade anônima dos portadores / de sombra / representada por todas / as fontes de luz (sol, lua, estrelas, velas, fogo -) incidentemente : / diferentes aspectos / da reciprocidade – associação fogo / luz / (luz negra, / fogo sem-fumaça = certas fontes de luz Os portadores de sombra trabalham no infra-mince.” (M. Duchamp, note 5)


O Contato de Elyeser Szturm
As Bodas, emulsão fotográfica sobre suportes de silicone, situam-se na descendência da história que Plínio o Velho conta quando lembra que a jovem Dibutade, ao despedir-se de seu amante, conserva sua presença marcando na parede os traços de sua sombra. A silhueta inaugura não apenas o desenho como também um gesto de projeção formal do corpo humano sobre um suporte que antecipa um aspecto essencial da fotografia. Ut pictura photo, sugere Elyezer Szturm. As Bodas são tríplices. Como nas Metamorfoses de Ovídio, após o trágico apagamento do universo e da humanidade pelo Dilúvio, atesta-se a existência da mulher, do homem e do casal para que o deserto das formas e dos corpos possa ser repovoado. Toda representação funda-se desde sempre no surgimento lento das aparências como nos primeiros passos da fotografia. As Bodas, portanto, indagam a natureza do contato entre o signo plástico e o desvelamento propriamente poiético da physis, daquilo que leva o ser dos fenômenos a aparecer através de um cont(r)ato entre evidência e reentrância, escuridão e fragrância. Neste homem, nesta mulher e neste casal impressos, a arte mostra encenar a durabilidade do traço e do rastro: traçar os contornos de uma sombra, materializá-la, é condensar num toque-só os recursos originários da representação: imprimir a presença e exprimir a ausência.


“Sombra projetada / frisante / infra-mince Impressão typo / foto / etc. infra-mince” (M. Duchamp, note 21)
A querela / da sombra / sustentada na sua / relação com o infra-mince.” (M. Duchamp, note 40)


“À flor. Tentando colocar 1 superfície plana / à flor de outra superfície plana / passamos por momentos infra minces”. (M. Duchamp, note 45)


O contato de Elida Tessler
Três trabalhos exploram a labilidade entre a linguagem e as imagens. Palavras-chaves apresenta chaves penduradas em claviculários metálicos. Cada uma propõe uma palavra retirada de vários textos literários (Lewis-Caroll, Eliot, Joyce, Drummond de Andrade, Gaarder, Adélia Prado etc.) que, após operações deixando muita margem ao encontro com o enigma das palavras, foi incisa nela. A linguagem é a chave das trocas, das aproximações e das distâncias. Gerencia um aspecto do toque simbólico. Através do contato com os signos que encobrem, os objetos que nos cercam depositam suas marcas literais e /ou secretas em nós. Élida Tessler cria parábolas onde suportes e transportes – para não dizer significados e significantes – agem dentro de um mundo interativo. A obra e-numera as flutuações dos sentidos, uma vez que o contato com eles é submetido à síntese mental que os horizontaliza. O fundo do Segredo reside na capacidade de reservar o nada de um silêncio paradoxal: todo segredo pesa pela materialidade de seu cenário. O que e como escolher em face de tantos fragmentos serialmente acumulados, embora, no caso das Palavras-chaves, queiram contratar e contactar algo da glória acústica do verbo? Questão de origem: a da nomeação adâmica; a daquela que silenciamos; a das substâncias anônimas presentes em Manicure. Alegorizam que toda posição dos objetos insere-se num fluxo que é a matéria do tempo. Seus momentos precisam das desacelerações que a arte cria para poder existir e insistir.
 

“A diferença (bidimensional) entre / 2 objetos feitos em / série [saídos saidos do /mesmo molde] / é um infra mince / quando o máximo / (?) / de precisão é / obtido.” (M. Duchamp, note 18)


“Separação infra-mince. 2 formas embutidas no / mesma fôrma (?) diferente / entre elas / de um valor separador infra / mince. Todos os ‘idênticos’ tão / idênticos que sejam (e quanto mais idênticos) aproximam-se dessa / diferença separadora infra / mince.” (M. Duchamp, note 35)


Notas: 

 

(1) NANCY, Jean-Luc. Corpus. Paris: Métailié, p.22-23

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