• Detalhe da instalação Perception is Wild (A percepção é selvagem), de Luisa Mota
  • Detalhe da instalação Perception is Wild (A percepção é selvagem), de Luisa Mota
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Luísa Mota

Luísa Mota (1984) nasceu em Portugal e atualmente vive e trabalha em São Paulo. Estudou Artes Plásticas na Wimbledon School of Art, em Londres, na Goldsmiths College, University of London, em Londres, e obteve o grau de mestre em Escultura na Royal College of Art, também na capital inglesa. Luísa participou recentemente na 3ª Bienal da Bahia onde apresentou uma performance-cortejo com mais de 70 voluntários para a abertura da mesma. Participou também na 9ª edição da mostra de performance arte Verbo, com a performance I believe in good things coming onde a artista e um grupo de voluntários fazem uma procissão pelas ruas da cidade mascarados das personagens épicas do seu trabalho, os "Homens Invisíveis". 


Marcio Harum entrevista Luísa Mota

Marcio Harum: Iniciamos aqui então a nossa conversação de palavra e imagem como material de apoio a tua mostra na Temporada de Projetos do Paço das Artes. 


Em relação ao teu trabalho mais recente, aquele realizado para a abertura da 3ª Bienal da Bahia, em 29 de maio de 2014, gostaria de te apresentar aqui uma imagem bastante icônica de um grupo musical que obteve êxito absoluto durante os anos 1970, e que sem dúvida alguma colocou milhões de pessoas ao redor do mundo para dançar os seus numerosos hits (e que de fato a situação talvez ainda perdure até hoje). Comente por favor o que você pensa e sente visualmente acerca deste registro imagético pop da banda sueca ABBA; e também o que você realmente quis apresentar em Salvador. Fale do processo, do público, dos participantes, do que se passou in situ. 

Luisa Mota: Acerca da imagem dos ABBA, embora tenha achado curioso, não me sinto muito interessada em comentar a minha sensação a respeito dela. O mais interessante aqui é a associação que você mesmo fez. Vejamos que a leitura do mundo pode certamente ser feita por símbolos e coincidências visuais, mentais, físicas, metafísicas, comportamentais. Elas acontecem criando associações e relações entre as coisas existentes. Tentamos dar “sentido” às coisas. E assim funciona o nosso entender de mundo. Categorizamos, julgamos, vemos que 2+2 é igual a 4, e que outras vezes é igual a 5. Vemos isso porque acreditamos nisso, ou alguma coisa nos formatou assim (tenha sido a experiência pessoal, a educação ou personalidade), a entender estaticamente as coisas como são ou a associá-las livremente. A sua leitura é a sua, com certeza refletirá mais sobre você ou algum setor do seu julgamento acerca do mundo e como você realmente lê os símbolos visuais do mundo ao teu redor. Me interessa mais saber o que você lê nessa imagem e como a associa ao meu trabalho. Digamos que sejam os corpos, a escolha de materiais reflexivos. Mas será que você está fascinado pelo seu achado e o esteja lendo como se fosse uma certa profecia, ao especular acerca da sua própria simbologia ou está humorizando, transcriando essa mesma profecia em um absurdo? Quem você é, e como se coloca num corpo e pensa, sente e vive a experiência? Que maneira é essa? Quais são essas categorias em que você encontra as tuas influências?

Esta análise é o que realmente me interessa. E o meu processo criativo funciona assim mesmo. Sou sensível e observadora ao local, as pessoas, as suas ações, as suas escolhas. E começo construindo clichês, estereótipos, arquétipos. Basicamente, sobre as coisas que todos nós temos consciência da existência nesse mundo, as reconhecemos de um jeito ou outro, e muitas vezes são transversais. Somos compostos de várias caras, várias personalidades, vários jeitos de ser. Caímos em um 'X' número de categorias. Seu físico, por exemplo, leva uma grande percentagem do que te compõe, e hoje em dia sabendo disso, com a vulgarização generalizada da mídia sobre esse conhecimento, é criada uma nova, uma outra categoria, a de "personalidades banais" dentro de uma grande chave. Bem, posso continuar e continuar. O meu trabalho é uma pesquisa aprofundada sobre o ser humano, e em especial sobre a inserção dele dentro de sociedades diversas, de diferentes lugares, sob várias camadas de perspectivas.

Durante o meu período de pesquisa e realização na Bahia, o processo foi vivo e intenso. Conduzi um workshop de dois dias, trabalhei com um grupo de cerca de 50 pessoas, e observei atentamente o comportamento gerado espontaneamente ali, entre os participantes e a relação deles com o mundo exterior. Praticamos ideias e exercícios relacionados em particular com a incorporação. O ponto era o de se enxergar como carregamos nossas ideias e experiências no próprio corpo. Cria-se assim a consciência de que esse é o seu corpo, o corpo que você habita e no qual que você incorpora inúmeras sensações, emoções, opiniões, impressões. Falamos das várias camadas do corpo, incluindo a roupa, e como ela se apresenta em pele, e como nos associamos, nos relacionamos com ela. Como nos representa individualmente, ou não. Os códigos comportamentais, os comentários e as poses estéticas que desenvolvemos, e como esse conjunto de fatores pode (nos) representar. Pegamos por aí. 

A sinopse do trabalho: 

'Genesis e genes' é uma ação de rua em forma de cortejo onde são apresentadas diversas personagens imaginárias ou não, que remetem a símbolos sociais, religiosos e culturais existentes na sociedade local. O formato da ação é facilmente mutável devido a interpretação individual do espectador que poderá entendê-la igualmente como um protesto, manifestação ou procissão religiosa. Por meio de representações e estruturas relacionadas com hierarquias sociais, crenças, rituais e o imaginário, faz-se ativar um raio-X psicológico, espiritual e antropológico da comunidade local. 


MH: Fale mais sobre a presença do sentido da incorporação, em como percebes isso no teu universo bastante particular, ou no mundo ao teu redor, e também como o mundo invisível entrava ou melhor, começou a surgir depois da Bahia no teu trabalho (cortejo-procissão-parada-bloco). Bom, temos que admitir que o povo baiano é exímio em fazer com que sua vibrátil energia coletiva seja projetada em luz e cores ao som dos seus corpos em movimento pelas ruas da cidade, dentro e fora do carnaval. As imagens do transe e o som dos tambores da Bahia o mundo já conhece bem: das fotografias de Pierre Verger desde os anos 1940, até a atualidade com organizações como o Olodum, Candeal, Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, e outros. 

De minha parte, continua me interessando falar sobre a alegria, do humor e do absurdo de algumas imagens de corpos coletivos (em movimento uno, ou não), contigo. Comente por favor o que te soa como mais importante acerca do trabalho que está para apresentar na Temporada de Projetos 2014 do Paço das Artes.

Te mando aqui registros do bloco de carnaval do Uzyna Uzona do Teatro Oficina que sai todos os anos pelas ruas da cidade de São Paulo, e de montagem no Oficina. O que te parece as grandes manifestações performáticas-cênicas desehierarquizadas, sim aquelas que justamente envolvem público e artistas de maneira igualitária?



LM: É impressionante como as coisas estão funcionando. Sinceramente, às vezes penso se tem algo a ver com este lugar, talvez mesmo este país, o Brasil. As coincidências são absurdas se você parar para refletir mais objetivamente. Os pensamentos e intuitos se cruzam de uma maneira em que o livre arbítrio parece ser apenas um joguete de diversão. Após sua visita há poucas horas atrás, e agora mesmo relendo o último e-mail que você me mandou antes de chegar ao meu studio, fico impressionada! Com certeza terá que concordar que as suas escolhas das palavras e referências são quase macabras premonições de apontamentos do caderno de notas, e aliás alguns fatos que mencionei posteriormente durante a nossa conversa! Me divirto fazendo estas observações! Talvez a Bahia também tenha me ajudado a apurar o meu sentido de leitura e crença nestes valores!

Em conexão ao que você cita sobre o sentido de coletividade ou de imagens de corpos coletivos, concordo com a geração de uma força visual. Quando encaro uma imagem dessas, a vejo sempre como se fosse um grupo de indivíduos posicionados basicamente do mesmo lado de uma "trincheira" e isso emociona-me bastante. Algo que é capaz de reunir um número de pessoas, unidas pela mesma causa, pelo mesmo desejo. Seja ela absolutamente absurda, ou não. Tendo então que assumir todas as suas poderosas diferenças para se estar junto. 



Para a Temporada de Projetos do Paço das Artes estou trabalhando outro aspecto das relações humanas. Não o da escala da coletividade da performance apresentada recentemente na Bahia, mas neste caso específico, o de uma relação antagônica entre duas personagens distintas que existem num mesmo contexto, por uma razão a ser assimilada. Creio que conceber um trabalho de performance para um espaço fechado, possa condicionar os resultados. Claro que aí há as suas vantagens e potencial a ser explorado. Estão juntos estes dois estados psicológicos, existenciais e paradoxais, que proponho que afetem diretamente o enredo do trabalho performático. 

Coexistência é um termo que me atrai. Dois ou mais "mundos" existindo no mesmo tempo e lugar.
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